Um estudo produzido no Fundo Monetário Internacional (FMI), quem diria, pôs o
dedo na ferida. Uma longa análise sobre reformas e estabilização na América Latina divulgada na terça-feira 8, assinada por sete graduados economistas da instituição, entre eles o diretor do Fundo para as Américas, Anoop Singh, e o chefe da missão que examina as contas brasileiras, Charles Collyns, sugere que os bancos no Brasil praticam spreads altíssimos (a diferença entre os juros que pagam aos aplicadores e o que cobram dos devedores) porque, entre outros motivos, falta competição ao setor. No capítulo dedicado aos problemas dos sistemas financeiros da região, os autores incluíram uma conclusão surpreendente. Depois de exercícios estatísticos e de afirmar que o sistema financeiro brasileiro é concentrado (os dez maiores bancos detêm 77% dos empréstimos), o texto afirma: “Quando bancos desfrutam de poder de mercado, seus incentivos para oferecer spreads mais baixos são pequenos, desencorajando assim volumes de empréstimos mais altos.” Em outras palavras, um seleto grupo de grandes bancos que abocanham dois terços dos depósitos do País e controlam três quartos dos empréstimos usaria essa posição privilegiada para manter juros altos, preservando suas margens de lucro, em vez de disputar clientes oferecendo empréstimos mais atraentes.

A conclusão irritou a maior entidade dos banqueiros brasileiros, a Febraban, mas o título do texto – “Bancos Brasileiros Competem?” – deixou-os ainda mais incomodados: “O título do documento e as conclusões são sensacionalistas”, afirmou o economista-chefe da federação, Roberto Luiz Troster. “O estudo ignora as despesas, os custos com inadimplência e os riscos dos bancos, que no Brasil são altos. De cada R$ 1 de receitas do sistema, R$ 0,925 são custos”, diz ele, completando que a rentabilidade do setor está dentro dos padrões mundiais. “Os bancos têm custos altos, mas a inadimplência não é como afirmam”, rebate o economista, ex-diretor do BC, Carlos Thadeu de Freitas. Os problemas apontados pelos bancos estão na agenda de reformas do governo, mas não a questão levantada pelo FMI. Os diagnósticos do Ministério da Fazenda e do Banco Central ignoram os argumentos dos economistas do Fundo. Nos últimos anos, a equipe econômica concentrou esforços em mudanças que reduzem os riscos dos bancos na concessão de empréstimos. Criou-se um extenso arquivo de dados no Banco Central – que traz todos os pecados cometidos pelos correntistas devedores do País – ao qual os bancos têm livre acesso; empréstimos agora têm execução judicial mais ágil; um bem-sucedido programa que permite o débito de financiamentos na conta dos trabalhadores diminuiu o risco de calotes; e a nova lei de falências, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na quinta-feira 11, passou os bancos na frente na fila de credores de empresas falidas, reduzindo muito o risco de empréstimos. “O processo de segurança contratual fará com que o spread caia ao longo do tempo”, garante o ministro da Fazenda, Antônio Palocci.

Mas o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, promete impedir que as conclusões do Fundo fiquem esquecidas. “Nossos spreads são os mais altos do planeta. Os balanços dos grandes bancos no final deste ano revelam rentabilidades de 30% sobre o patrimônio. Significa dobrar o patrimônio líquido em dois anos e meio. Tem alguma coisa errada nisso. Falta competição no sistema bancário, e não sou eu quem diz isso. É o FMI!”, ataca Skaf, trombando com as justificativas da Febraban e apontando o surreal alinhamento dos economistas do Fundo com argumentos de empresários e esquerdistas brasileiros.

O texto dos economistas do FMI mostra que o estratosférico spread brasileiro supera em 24% a média da América Latina, em 68% a americana e é mais que o dobro da média dos spreads praticados pelos bancos que operam em países da União Européia, onde a competição decorrente da globalização dos serviços bancários jogou as margens dos bancos para baixo. Outros estudos mostram que pessoas físicas pagam quase o dobro a mais que empresas. E, quando o Banco Central sobe os juros, o custo dos empréstimos sobe junto, mas, quando os reduz, o efeito demora a aparecer. E não é apenas pelo esforço de Skaf que o assunto ameaça infernizar a equipe econômica. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) já avisou que sua próxima bandeira é aumentar a competição entre os bancos. “Eles têm uma verdadeira reserva de mercado no Brasil: a conta salário”, afirma. Em novembro passado, apresentou um projeto de lei que permite aos trabalhadores escolher o banco em que desejam receber os rendimentos.

O estudo da equipe do FMI também ressalta outro aspecto que deixa os bancos um bocado confortáveis. Menos da metade do que as instituições financeiras amealham dos correntistas é transformado em empréstimos, quando nos EUA e na América Latina essa média beira os 70%. É que o setor prefere priorizar o seu melhor cliente: o próprio governo com sua dívida, que passa de 51% do PIB. “Tem sempre uma política de governo beneficiando os bancos”, reclama a senadora ex-petista Heloísa Helena (AL). De fato, assim é mesmo difícil haver competição.

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