A geração que mais apostou na subversão da ordem e que entrou para a história como representante de uma cultura anárquica, sustentada no tripé sexo, drogas e rock’n roll nos anos 1960 e 1970, foi justamente a tábua de salvação para o mais poderoso conglomerado cinematográfico do mundo: Hollywood. E os principais merecedores dessa distinção são cineastas hoje consagrados e que na época poderiam formar uma boa gangue de feios, sujos e perversos, entre eles Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, George Lucas, Steven Spielberg, Dennis Hopper, Peter Bogdanovich e Robert Altman. Todos integraram um grupo de diretores que, cada um a sua maneira e seu estilo, se projetou internacionalmente e produziu grandes clássicos do cinema.

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Por um lado, foram impulsionados por uma atitude agressiva e independente de quem percebia que existia uma brecha na engrenagem envelhecida de Hollywood. Por outro, beneficiaram-se da própria indústria, que, esfacelada pelos reflexos econômicos da Guerra no Vietnã e sem nenhuma outra opção no horizonte, apostou todas a fichas na renovação de seu repertório criativo. Essa tese, aliada a informações precisas e histórias de bastidores inacreditáveis, é apresentada, e fartamente comprovada, pelo pesquisador e jornalista Peter Biskind no livro “Como a Geração Sexo-Drogas-Rock’n’roll Salvou Hollywood” (Intrínseca), edição lançada originalmente em 1998 e que agora desembarca no Brasil. O autor narra as histórias com humor e uma riqueza estonteante de casos protagonizados por personalidades que o cinema mitificou.

Para ilustrar a falência dos estúdios, Biskind reproduz dados publicados pela revista “Variety” que mostram que a bilheteria estava em vertiginosa queda: o ano de 1969 marcou o início de uma forte recessão em que a venda de ingressos declinou de US$ 78,2 milhões semanais para US$ 15,8 milhões. Segundo Peter Bart, vice-presidente de produção na Paramount, “a indústria estava mais falida do que jamais esteve em toda  a sua história, literalmente prestes  a ser extinta da face da Terra”.

E não se trata de força de expressão. De acordo com o autor, os estúdios começaram a ser comprados por outras corporações e Hollywood estava sendo dominada por companhias cuja principal atividade não era o cinema, mas seguros, minas  de zinco e até funerárias.

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O filme “A Noviça Rebelde”, nos anos 60, fora o derradeiro suspiro dos filmes “para toda a família”. A mudança, no entanto, foi paulatina, como se vê no depoimento dado pelo cineasta Steven Spielberg: “A velha guarda não passou o bastão, a nova geração teve de arrancá-lo das mãos deles. Havia um preconceito enorme se você era jovem e ambicioso. Quando fiz meu primeiro trabalho profissional de tevê, um episódio da série “Night Gallery”, todo mundo no set estava contra mim. A média de idade da equipe era 60 anos. Quando me viram entrar no set aparentando menos ainda do que tinha na época, com cara de bebê, todos me deram as costas e saíram. Percebi que representava uma ameaça ao emprego de todos eles.” Mas a identidade hollywoodiana já estava em crise e a nouvelle vague dominava a Europa, apresentando filmes de Federico Fellini e Ingmar Bergman.

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A urgência por mudanças se fez ainda mais presente. Os executivos e produtores das companhias de cinema não sabiam o que fazer, como ilustra um episódio relatado por Biskind. Nessa época, um jovem estudante se apresentou a um diretor levando o projeto de um grande musical e foi desencorajado: “Não, não, não. Nós queremos fazer filmes que sejam sobre coisa nenhuma, como esse ‘Blow-up’”, disse o cineasta, referindo-se ao clássico de Michelangelo Antonioni. A confusão beneficiou os diretores, que passaram a ter mais autonomia – até então, eles só cumpriam as ordens do produtor e não tinham autorização sequer de entrar na sala de projeção. Só o faziam quando recebiam uma ordem do tipo: quero um close no rosto de determinado personagem. Então eles precisavam checar se isso havia sido feito corretamente. Os tempos mudavam e o diretor ganhava ares de autor.

E o ponto de partida dessa espécie de sublevação dos cineastas, os primeiros passos para a grande revolução de estilo que se seguiria, foram a estreia em 1967 de “Bonnie e Clyde Uma Rajada de Balas”, dirigido por Warren Beatty, e “A Primeira Noite de um Homem”, com Dustin Hoffmann os dois filmes criaram um escândalo sem precedentes nos EUA. Um era protagonizado por um casal de adoráveis e violentos bandidos, o outro abordava a história de um jovem recém-saído da faculdade que se envolvia sexualmente com a mãe de sua namorada. Outras produções vieram rapidamente num espaço de pouco mais de uma década, entre elas “O Bebê de Rosemary”, “Meu Ódio Será sua Herança”, “Perdidos na Noite”, “Sem Destino”, “O Poderoso Chefão” e “Último Tango em Paris”.

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Bernardo Bertolucci foi um dos cineastas europeus que estiveram nos EUA e filmaram em Hollywood nessa época. Nos sets desses filmes, outros escândalos se sucediam causados por todo tipo de excessos e temperamentos irascíveis. Em “Apocalypse Now”, por exemplo, Marlon Brando e Dennis Hopper se detestavam de tal forma que as filmagens tiveram de ser marcadas de forma a mantê-los à distância. Hopper já era conhecido por destruir cenários nos sets em ataques de ira. Biskind descreve Nastassia Kinski como uma amante insaciável, que dormiu com a maior parte dos diretores com os quais trabalhou. Reproduz uma fala da atriz para o diretor Paul Schrader (que costumava ir armado aos sets): “Eu sempre transo com os meus diretores, mas com você foi tudo muito difícil.” No quesito “difícil” , Warren Beatty era campeão: ele criou uma saia-justa no estúdio do magnata Paul Warner ao se recusar a filmar um roteiro sugerido pelo então presidente John Kennedy.


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