img.jpg
FOCO DIFERENTE
Hollande, novo presidente francês, mira o desenvolvimento

A campanha eleitoral começou tediosa. Parecia que os franceses, sempre tão politizados, desta vez resumiam a escolha do futuro presidente do país a um mero embate d’O Vulgar contra O Banal. De um lado, buscando a reeleição, Nicolas Sarkozy, 57 anos, descrito como presunçoso, rude, grosseiro, selvagem, preconceituoso, anti-intelectual. Um presidente de jeito mais americanizado, exibicionista, fã de Elvis Presley, capaz de passar a lua de mel na EuroDisney, apreciador de amigos bilionários e de seus iates magníficos. Um político que não receava comemorar vitórias no caríssimo restaurante Le Fouquet ou reunir financiadores de campanha no exclusivo Hôtel de Crillon. Que tampouco tinha vergonha de esconder no bolso seu relógio de 55 mil euros, antes de apertar a mão dos eleitores. Do outro lado da arena, o socialista moderado François Hollande, também 57 anos, cara de capelão, jeito de caixa de banco, gestual de um ex-gordo que ainda carrega no corpo a lembrança dos quilos a mais. Por sua fraca consistência, tinha o apelido de “flamby” (pudim, o que no anedotário brasileiro poderia evoluir para algo como “flan de chuchu”). A vitória apertada de Hollande no primeiro turno foi encarada como sinal de que a maioria dos franceses considerava a banalidade mais adequada que a vulgaridade para enfrentar os tempos de crise.

Mas tudo mudou no segundo turno, principalmente após os debates entre os dois candidatos. Hollande, surpreendentemente, conseguiu injetar no eleitorado boas doses de esperança, orgulho e patriotismo. Esperança, ao radicalizar o discurso desenvolvimentista num país assustado pelo desemprego e recessão. Orgulho, ao colocar cada voto como uma chance de afirmação de valores republicanos ameaçados. E patriotismo, ao proclamar que a França é muito grande para apenas coadjuvar a Alemanha na liderança europeia.

A vitória de François Hollande, no domingo 6, foi comemorada pelas ruas com um entusiasmo inesperado. Nada comparável, é claro, ao fulgor revolucionário de 1981, quando o socialista François Mitterrand chegou ao poder ungido como uma espécie de imperador. Afinal, naqueles tempos, o muro de Berlim ainda estava em pé, Mitterrand já era um herói francês e os membros do PS não se assemelhavam tanto a centristas engomados, como a turma que agora retorna ao Palácio do Eliseu, após 17 anos de governos de direitistas. Pouco tempo atrás, Hollande nem sequer era cogitado como candidato. “A primeira pessoa a quem ele deve agradecer pela conquista da Presidência chama-se Nafissatou Diallo”, disse à ISTOÉ Jean-Pierre Lehmann, professor de economia política internacional no IMD, escola de negócios da Suíça. Lehmann se refere à camareira de Nova York que acusou o ex-diretor do FMI Dominique Strauss-Kahn de assédio e causou sua derrocada. Kahn era o favorito dos socialistas franceses para enfrentar Sarkozy. Seria um erro, entretanto, caracterizar Hollande apenas como um sortudo. Formado em direito pela Universidade de Paris, ele ostenta ainda em seu currículo aquelas siglas que a esnobe França sempre espera ver associadas a sua elite dirigente: ENA (Escola Nacional de Administração), HEC (Escola de Altos Estudos de Comércio) e Sciesces-Po (Instituto de Estudos Políticos). Também no campo político Hollande construiu uma trajetória sólida. Pupilo de Mitterrand, começou como vereador e chegou a secretário-geral do PS, cargo que ocupou por 11 anos. Pai de quatro filhos, está no seu terceiro casamento. A segunda mulher foi Ségolène Royal, a candidata socialista derrotada por Sarkozy – agora devidamente vingada.

img1.jpg
TROCA DE RUMO
Sarkozy cumprimenta Hollande pela vitória que deve afetar todo o continente

No discurso de comemoração da vitória, Hollande se apresentou como portador de uma mensagem para toda a Europa. Disse que sua missão é “dar à construção europeia uma dimensão de crescimento, emprego e prosperidade”. Não poderia ser mais claro: sua declaração significa o fim do sistema “Merkozy”, como é conhecido o eixo que a chanceler alemã, Angela Merckel, construiu com Sarkozy para defender um ortodoxo regime de austeridade como solução para a crise do euro. Hollande se alinha com outra corrente de pensamento, a dos desenvolvimentistas. Nos últimos meses ele se dedicou à leitura de seguidores do intervencionismo estatal apregoado pelo economista John Maynard Keynes, principalmente daqueles autores que estudaram a recuperação econômica dos Estados Unidos após a grande depressão. A exemplo do presidente americano, Barack Obama, e da presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, Hollande acha que é no governo de Franklin Roosevelt (1933-1945) nos Estados Unidos que estão os melhores exemplos de superação de crises econômicas.
As posições de Hollande atiçaram os falcões do mercado financeiro, porta-vozes dos interesses dos bancos internacionais que bravejam pela austeridade fiscal (ou seja, cortes nas despesas dos governos) como caminho único para a salvação (e consequente garantia de recebimento de seus juros). Na semana passada, afoitos analistas chegaram a especular sobre a possibilidade de um “ataque” dos mercados que transformaria a França no novo enfermo do continente europeu. Em editorial, a revista “The Economist” anunciou que Hollande será “ruim para o seu país e para a Europa” e considerou-o uma figura perigosa. “Isso porque ele acredita genuinamente numa sociedade mais justa. Quelle horreur!”, ironizou o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman. Crítico da estratégia de recuperação pela austeridade, Krugman publicou um artigo em defesa da mudança nas políticas que o dueto Merkozy vinha impondo aos europeus. Segundo ele, a realidade mostra que “cortar gastos em uma economia em depressão só torna a depressão mais forte”.

img3.jpg
FESTA INESPERADA
Depois de uma campanha monótona, Hollande consegue dar
esperança ao eleitor francês que comemorou vitória pelas ruas

A França herdada por Hollande é uma prova de que, fora da Alemanha, o evangelho Merkozy não conta com grandes resultados para exibir. O país tem hoje 10% de sua população desempregada, o maior índice em dez anos. A dívida pública soma 1,7 trilhão de euros (86% do PIB francês) e chegou a ser rebaixada por uma agência de risco. O midiático Sarkozy fez uma gestão caótica, incapaz de reverter o crescente déficit comercial de um país quase estagnado. As isenções fiscais com que presenteou seus amigos magnatas deram em nada. Dificilmente deixará saudades – fato que ele deve imaginar, pois logo após a derrota nas urnas fez uma declaração de despedida da vida pública. “Meu lugar não poderá mais ser o mesmo”, afirmou Sarkozy, assumindo a “responsabilidade integral” pela queda.“Não consegui convencer a maioria dos franceses”, resumiu. “Não consegui fazer vencer os nossos valores.”

O sóbrio Hollande, ao contrário de Sarkozy, “não gosta” de ricos e falou em taxar os ganhos pessoais acima de um milhão de euros em 75%. Mas está a quilômetros de distância das posições radicais que os socialistas franceses ainda defendiam no governo Mitterrand. Sua intenção é fazer voltar a rodar o motor da Europa, através do aumento dos investimentos públicos – empregando mais gente no Estado, se for preciso. Para ele, contas ajustadas são uma virtude, mas a “austeridade eterna”, apenas um desvio fundamentalista dos apóstolos do mercado. A primeira viagem ao exterior já está programada: Hollande vai à Alemanha para encarar Angela Merckel. A chanceler alemã, de início, mandou recado de que não aceita revisar o pacto orçamentário que a União Europeia assinou em março. Mas Merckel também sabe que a França ainda é o melhor parceiro que a Alemanha pode ter para manter uma união continental pela qual seu país já pagou com a criação do euro. Quem estaria disposto a pôr tudo isso a perder?

img2.jpg

img4.jpg

img5.jpg

Colaborou Laura Daudén