O advogado do senador Demóstenes Torres diz que ser criminalista o torna impopular e que o Brasil virou a república dos grampos

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GRAMPOLÂNDIA
Para Kakay, inquérito Cachoeira revelou descontrole
no uso de grampos telefônicos

Conhecido por fazer a defesa de políticos poderosos envolvidos em corrupção, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, surpreendeu na semana passada ao assumir o caso do vazamento de fotos íntimas da atriz Carolina ­Dieckmann na internet. O gesto foi interpretado por muita gente como uma tentativa de atrair popularidade num momento em que ele enfrenta dificuldades para livrar o senador Demóstenes Torres da cas­sação no Conselho de Ética do Senado. No Supremo Tribunal Federal (STF), Kakay também faz o possível para anular as provas que sustentam o inquérito da Operação Monte Carlo.

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"O WikiLeaks divulgou informação de que a Roseana Sarney
tinha uma conta no Exterior. Era mentira. Eu fui até
o banco e peguei o nada consta"

Não bastassem esses desafios, o advogado, que é dono do badalado restaurante Piantella e da adega Expand Brasília, também atuou dando conselhos jurídicos ao torturador Claudio Guerra, que acaba de revelar em livro o destino de desaparecidos políticos do regime militar. “Gosto do enfrentamento. Acho minha profissão do c…”, diz o advogado. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, Kakay afirma que o caso da atriz deve servir “para alimentar o debate em torno do controle da internet”, especialmente das mídias sociais que ele chama de “opressivas”. “Hoje estamos diante do fenômeno dessas redes sociais que são uma mídia opressiva. O que aconteceu com essa menina é sórdido e cruel.” Já o inquérito do esquema Carlinhos Cachoeira revela, para ele, um descontrole absoluto no uso de grampos telefônicos. “Vivemos na república dos grampos. É uma era de insegurança. Acabou a privacidade”, afirma.

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"Advogar para Carolina Dieckmann pode
contrapor a impopularidade. Como acho que ela
 agiu com dignidade, resolvi entrar no caso"

ISTOÉ

O sr. tem assumido a defesa de poderosos envolvidos em corrupção, como o senador Demóstenes Torres e o ex-subchefe da Casa Civil Waldomiro Diniz. Não teme que sua imagem fique associada ao crime? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Essa confusão que se faz do advogado com o crime que supostamente teria cometido o cliente é uma visão míope. É difícil defender o inimigo público número 1. Lembro-me de quando meu filho tinha 6 anos e em Brasília só se falava da morte do índio Galdino. Meu filho me pediu: “Papai, não pega esse caso não.” É uma visão maniqueísta, de uma criança, mas é uma realidade.
 

ISTOÉ

Com tanto caso de corrupção, esta é a era dos criminalistas? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Como se criou no seio da sociedade uma necessidade muito grande de discutir a questão da impunidade, de uma justiça mais rápida, o STF se abriu mais, o Judiciário está mais transparente. Isso faz com que floresçam mais casos. Reconheço que é um momento único.

ISTOÉ

O sr. pergunta para seus clientes se são culpados ou inocentes? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Não me preocupo com isso. Eu me interesso por casos em que acredito que se possa fazer uma defesa técnica. Já advoguei para gente que matou. Tive cinco casos de maridos que mataram suas mulheres e absolvi os cinco. Não sou juiz. Nós, advogados criminalistas, exercemos papel fundamental para o estado democrático de direito. Essa impopularidade é o preço que se paga. 

ISTOÉ

Trabalhar para a atriz Carolina Dieckmann pode contrapor essa impopularidade? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Não pensei nisso, mas advogar para Carolina Dieckmann pode contrapor a impopularidade. Como eu acho que ela agiu com muita dignidade, resolvi entrar no caso. Eu fui chamado por ela porque temos amigos em comum, como o empresário dela, a Bia Aidar e a Regina Casé. É uma causa interessante que pode ajudar no debate sobre o controle da internet, especialmente das mídias sociais. Hoje estamos diante do fenômeno dessas redes sociais que são uma mídia opressiva. O que aconteceu com essa menina é sórdido, cruel.  

ISTOÉ

Mas há muita resistência ao debate sobre esse controle da internet…  

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Não defendo a criação de conselhos nem nada disso, mas não existe direito absoluto. Deve haver uma resposta rápida do Judiciário. O que inibe a criminalidade é a certeza da punição. Sites nos EUA e na Inglaterra retiraram as fotos dela 48 horas depois de um contato meu, alegando que eram ilegais e estavam causando dano à imagem da atriz. É o limite da responsabilidade. Já houve outros casos.
 

ISTOÉ

 Quais, por exemplo?

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

O WikiLeaks divulgou informação de que a Roseana Sarney tinha uma conta no Exterior. Era mentira. Eu fui até o banco em Zurique, peguei o nada consta. Fiz uma interpelação ao advogado do Julian Assange, em Nova York, e ele retirou a informação da internet. O problema é que os sites de busca têm um critério cruel. O que fica na memória são os temas mais acessados, as fofocas e polêmicas. Questões sérias, geralmente, caem no esquecimento. 

ISTOÉ

Qual o tamanho de sua equipe? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

De cada 20 casos que aparecem, a gente pega um. Tenho uma estrutura pequena. Fiz essa opção. O escritório criminal tem de trabalhar de modo diferenciado. Não concordo com essa americanização, essa massificação de escritórios, que chegam a ter 300 advogados. Hoje minha equipe são três advogados, além de mim. Se você perguntar para mim cada caso, eu sei. Eu acompanho todos, faço sustentação oral, discuto. Gosto do enfrentamento. Acho essa profissão do c… Imagine que no meio dessa confusão toda eu parei para acompanhar o Claudio Guerra. 

ISTOÉ

O ex-delegado que é torturador confesso da ditadura?

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Ele mesmo. O Marcelo Netto, que escreveu o livro com o depoimento dele, me ligou. Disse que o Claudio Guerra precisava conversar com um advogado de confiança, pois precisava de segurança. Falei que esse negócio de proteção à testemunha no Brasil é uma balela. Mas poderia conseguir do Estado proteção oficial até o momento em que saísse o livro. A partir daí, a segurança viria da notoriedade do caso. Ele gostou.

ISTOÉ

 E ele teve proteção especial?

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Entrei em contato com algumas pessoas e criou-se com muita agilidade uma equipe para escoltá-lo. A Justiça permitiu que ele saísse da prisão para localizar os sítios de tortura e morte de militantes de esquerda.  

ISTOÉ

O sr. se identifica com a esquerda. É filiado a algum partido? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Eu tenho formação de esquerda, fui presidente de centro acadêmico, fiz política estudantil. Cheguei à universidade numa época de democratização, mas peguei a grande greve de 1977 da UnB, eu estava lá, fizemos o enfrentamento da ditadura. Nunca fui partidário. No Lula eu votei sempre, mas não necessariamente no PT. Já votei no PSDB. Sou um humanista. Já fui libertário. Um dos meus trabalhos mais relevantes foi a defesa dos sindicalistas no Rio Maria, na época dos enfrentamentos com fazendeiros. Eu ajudava o Márcio Thomaz Bastos. Viramos amigos.

ISTOÉ

Mas há uma imagem de afinidade sua com o PT… 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Eu ajudei o PT na fundação aqui em Brasília, mas nunca me filiei. Sou amigo pessoal do ex-ministro José Dirceu, mas tenho clientes de todas as colorações partidárias. Já advoguei para cinco presidentes de partidos diferentes ao mesmo tempo. Se você me perguntar para qual partido eu atuei mais, acho que foi o DEM. Já advoguei para a Roseana, o Bornhausen, o Agripino, Arruda, Paulo Octavio, o Demóstenes.  

ISTOÉ

O Conselho de Ética do Senado decidiu abrir o processo de cassação do senador Demóstenes Torres, mas a votação será secreta. O sr. ainda acredita que ele pode escapar? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Foi praticada uma violação ao devido processo legal do princípio da ampla defesa e do contraditório. Nós respondemos a uma representação do PSol, mas o relatório do senador Humberto Costa trouxe fatos novos. Fui surpreendido. Pedi mais tempo para a defesa, mas não me deram. Entendo que é um julgamento político, mas é preciso preservar as normas constitucionais. Espero que os senadores reflitam e não ajam por pressão da mídia. 

ISTOÉ

Mas Demóstenes não errou ao dizer lá atrás que não tinha negócios com o bicheiro Carlinhos Cachoeira? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Eu disse a ele para não ir à tribuna. Mas ele foi cuidadoso, falou da relação, da amizade. Ele não fez nenhuma afirmação peremptória que pudesse ser desmentida pelos fatos posteriores. Então, não acho que houve quebra de decoro. Mas os vazamentos criaram esse clima de irreversibilidade, o que pressiona o Senado. É um julgamento secreto, sem fundamento e eminentemente político. Se eu ganhar no Supremo, os senadores terão cassado o mandato de um parlamentar com base em provas nulas.  

ISTOÉ

Será que essa tese vai prosperar no Supremo?  

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

A reclamação que fiz no Supremo em relação ao senador Demóstenes é algo em que a sociedade deve refletir também. O foro de prerrogativa está previsto na Constituição. O delegado da Monte Carlo admitiu à CPI que investigou o Demóstenes por dois anos, sem autorização do STF. O relatório que eles chamam de “casos fortuitos” contém um ano e meio de escutas ilegais. E essas são as únicas provas que existem contra o senador.

ISTOÉ

O esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira trouxe à tona uma ampla rede de arapongagem. Qual sua avaliação?  

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Vivemos na república dos grampos. É a era da insegurança, acabou a privacidade! Arapongagem virou profissão. Muitas vezes faz-se um grampo ilegal e depois se tenta legalizá-lo. Quando o Estado patrocina essa quebra de sigilo, é uma barbaridade. O número de grampos oficiais no Brasil é estrondoso e os não-oficiais deixariam qualquer um estarrecido. Na Monte Carlo, esqueceram que interceptação telefônica é o último recurso de uma investigação, não o primeiro.  

ISTOÉ

Este ano o Supremo julgará o mensalão. Acha que o Zé Dirceu será absolvido? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Tenho convicção de que, se não fosse o mensalão, Dirceu seria o próximo presidente da República. Ele era o homem mais preparado para ser o presidente naquele momento. E não há nada contra ele, tecnicamente. Esse é um assunto grave e que eu faço o enfrentamento. O STF não pode tratar o julgamento, embora importante, de forma especial. Acho muito bom que o STF ouça mais a sociedade, mas não pode ser guiado pelo clamor social. Julgar pelo prisma da emoção é grave. Foi assim com a Lei da Ficha Limpa.
 

ISTOÉ

Da qual o sr. é crítico… 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Na minha opinião, é uma lei de índole autoritária, que quer tutelar o direito do cidadão. Mas dizem que é de iniciativa popular. Ora, aposto que 95% dos que assinaram o pedido da lei não sabiam do que se tratava, o que é retroatividade. Eu posso redigir um texto com objetivo oposto, pegar dois ou três movimentos sociais e conseguir dois milhões de assinaturas.  

ISTOÉ

Tem algum ídolo ou referência profissional? 

Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Ídolo, não diria. Mas a forma de trabalhar do José Carlos Dias é um exemplo para qualquer advogado criminalista. Ele respeita o cliente, fala muito bem e coloca a alma no processo. Dias e o Eduardo Alckmin são as pessoas que mais me ajudaram nessa profissão.