ISTOÉ – Por que você virou ator?
José Wilker – Eu morava no Rio e era o teatro que pagava o café da manhã, almoço e jantar e, eventualmente, dava até para pagar o aluguel. Morei em vários lugares quando vim para o Rio, inclusive na praia e no ônibus da linha Grajaú–Leblon. Eu deitava no banco de trás do ônibus, ia de um ponto a outro e depois voltava. Aí amanhecia. Eu nunca achei nada demais nisso. As pessoas contam esse tipo de experiência como prova de sofrimento, mas eu não sofri. Para mim nunca foi trauma, me diverti. Morei em apartamentos que eram metade da minha sala com mais de dez pessoas e achando que era a coisa mais normal do mundo. Acho que, de algum modo, estava testando a minha vocação para alguma coisa.

ISTOÉ – Você recebe muitos roteiros para analisar? Que tal ser um ator
que pode escolher o trabalho?
Wilker – Recebo pelo menos um por mês, às vezes um por semana. Este ano já recebi seis e estamos em fevereiro. Acho ótimo poder escolher, mas minha mãe falava que eu sou do tipo pobre-soberbo. Eu já disse “não” na miséria e “sim” para muita merda. O dedinho podre foi lá e escolheu coisas que eu nego que fiz. Mas meu critério de escolha é, principalmente, pela companhia, pelas pessoas envolvidas. Sou um ator esquisito. Nunca tive aspiração de fazer esse ou aquele personagem, de montar a própria carreira em função dos papéis. Essa coisa saudável e inteligente eu não tenho. Já fiz teatro, cinema e tevê e odiei porque não estava gostando do ambiente da coxia ou dos bastidores. Eu não gosto mais de teatro, de cinema ou de televisão. Eu gosto de pessoas.

ISTOÉ – Dá para ser ator no Brasil sem estar na Globo?
Wilker – Depende do que se quer. A televisão criou essa coisa, o Big Brother, que fabrica um suposto carisma de uma suposta celebridade. Então, televisão passou a ser uma aspiração. As pessoas não vão estudar teatro, elas querem se preparar para fazer uma novela. Hoje ser celebridade está interessando mais do que ter talento e competência. O preço é que se precisa estar empregado na televisão, é fundamental participar do baile de debutantes, estar no comercial, ser convidado para o lançamento de um sabão novo, estar nos camarotes VIPs. Mas isso não tem nada a ver com ser ator. Na verdade, é um círculo vicioso. A revista Caras, por exemplo, inventou a pessoa famosa e agora publica a pessoa famosa. Mas isso não tem nada a ver com ser ator, com representar. Um ator pode, sim, viver sem a televisão. Agora, o ator em que nós nos transformamos hoje, não. O ator que não vive sem televisão não pode mais ficar se preparando seis meses para fazer um personagem num filme. Não pode ter um tipo de aspiração que um ator deveria ter, sob pena de ser considerado marginal.

ISTOÉ – Como você lida com o
assédio à celebridade?
Wilker – Minha vida pessoal nunca foi de domínio público. Não estou falando mal de quem exibe a vida pessoal, só estou registrando. As pessoas fazem um pequeno comércio da vida pessoal. Tem gente que casa porque vai conseguir mídia. Isso não é bom nem ruim, é um sistema que a gente está vivendo hoje. Tampouco foi criado no Brasil, foi importado. Eu lido bem porque não faço esses pequenos varejos. É o caso de saber usar o veículo: se estou com uma peça de teatro em cartaz e preciso de visibilidade, faço algumas matérias que não faria em outras circunstâncias. Agora, mostrar minha casa, posar na banheira, fazer como aquela moça que põe um biquíni e declara: “Estou pronta para Shakespeare”? é ridículo. É que eu sou muito careta com essas coisas. Acho que a gente já invade gravemente a privacidade das pessoas trabalhando em televisão – e se expõe também. É uma coisa doida. Mas é diferente das pessoas que fazem tudo o que é possível para pagar um mico e depois ficam putas porque publicaram o mico.

ISTOÉ – Você tem fama de sedutor, charmoso, conquistador…
Wilker – Eu fiz teatro durante dez anos no Rio, não tinha conta em banco ou mordomias. Era até razoavelmente respeitado na comunidade de teatro,
ganhava prêmios, mas era um ilustre desconhecido. Aí fiz uma novela,
Bandeira 2, e depois de três capítulos no ar as coisas mudaram. Passei a ter conta bancária e até direito de furar fila. As pessoas me olhavam diferente. Em pouco mais de um ano, eu me sentia com cinco metros de altura, com direito a tudo. Até eu me tocar de que não era por aí, né? E dei uma baixada de bola legal. Sedutor? Fui casado três vezes. A primeira durou oito anos (com Renée de Vielmond), a segunda 12 anos (com Mônica Torres), e estou com a Guilhermina (Guinle, também atriz) há cinco. Sou uma pessoa casadoira. Claro que me sinto muito bem em saber que desperto interesse em algumas pessoas, que para elas sou atraente. Sou vaidoso e acho que a vaidade é uma coisa boa.

ISTOÉ – Vê boas perspectivas futuras para o Brasil?
Wilker – Acho o Brasil de hoje absolutamente sensacional. Há muitos escândalos? Sim, mas as pessoas estão sendo denunciadas, algumas até processadas e outras até cumprindo pena. Há o crime? De fato, está gravíssimo, mas acho que as possibilidades de se resolver questões como essas são maiores do que há dez, 15 anos. Não tenho nenhum saudosismo de um país maravilhoso. A Copacabana dos anos 60 era linda e virou um mafuá, mas tudo mudou mesmo. Eu tinha dificuldade de compreender o fax: como é que o cara põe um papel em Nova York e eu recebo aqui? Comprei um e não tinha para quem mandar, então comprei outro e dei de presente para o Miguel (Falabella) só para ter para quem mandar fax. Sou otimista. Nossas chances de resolver os problemas hoje são bem maiores porque a população tem se mostrado disposta a encarar esse tipo de problema, de não jogar para baixo do tapete, de questionar. E a eleição do Lula é também um passo formidável para o País, transpôs um longo período de oligarquia.
jaq joner/rede globo/divulgação      
   
"0s participantes do BBB são indigentes. O que eles têm a dizer é inútil", diz o ator      

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

ISTOÉ – O programa Big Brother Brasil costuma ser apontado como de baixa qualidade. Você concorda?
Wilker – Não vi esse que está no ar, mas vi pedaços de outros. Eu separo esse negócio em dois níveis. O primeiro deles é o das personagens, que são indigentes. O que elas têm a dizer é absolutamente inútil – a filosofia, a cultura, o português, é tudo inútil. Elas são inúteis. Acho que qualquer grupo de pessoas que possa ser dispensado de uma atividade produtiva durante três meses sem fazer falta não deve ser muito útil, não é? Agora, como programa de televisão, vejo todo o mérito do Boninho (José Bonifácio de Oliveira, diretor). Ele é um gênio. O que vi de corte, de inserção musical, edição, é tudo muito bem feito, ele sabe fazer bem.

ISTOÉ – Você acompanha a polêmica do projeto da Ancinav?
Wilker – Não sei se é bom ou ruim, não me interessa entrar nesse mérito. Só proponho, antes, a pergunta: o Brasil está satisfeito em receber 90% do audiovisual que consome de um só país? Se está, não há o que discutir. É bom isso para nossa economia, formação cultural, cidadania? Se a gente compreende que vale a pena ganhar um pouquinho mais do que 5% do nosso mercado audiovisual para nossa produção, então vale a pena discutir uma lei para isso. Audiovisual é estratégico para um país em uma época em que a informação é o poder.
 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias