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Encerrada a contagem dos votos em São Paulo, o governador José Serra telefonou para o líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal, e afirmou: "Acabaram-se os ressentimentos." A frase é o melhor exemplo da ação política que o tucano vem imprimindo para pavimentar seu caminho rumo à sucessão presidencial. Acostumados a ver em Serra a imagem de mal-humorado e vingativo, políticos que souberam do diálogo com Aníbal se surpreenderam com o tom amigável do governador. Os mais próximos a ele, no entanto, interpretaram a conversa com naturalidade. Nas últimas semanas, Serra tem revelado a seus principais colaboradores que não quer repetir em 2010 os erros de 2002, quando jogou de forma truculenta para disputar a Presidência da República, trombou com o senador Tasso Jereissati (PSDB – CE) e acabou vendo parte do tucanato trabalhando pela candidatura de Ciro Gomes. O estilo "Serrinha paz e amor", disposto a superar antigas e recentes divergências, é a face mais visível do projeto do governador paulista para 2010.

"Meu próximo desafio é fazer o PSDB gostar de mim", disse Serra a um interlocutor com assento no Palácio dos Bandeirantes, logo depois do primeiro turno das eleições municipais. O telefonema para José Aníbal foi o primeiro passo nessa direção. Tratou-se de uma inequívoca acolhida aos tucanos que nos últimos três meses abandonaram o ninho do governador – que apostou na reeleição de Gilberto Kassab (DEM) -, numa revoada em torno da fracassada candidatura de Geraldo Alckmin à prefeitura paulistana, em grande parte liderados pelo deputado José Aníbal e sob o patrocínio do governador mineiro Aécio Neves. Para unir o PSDB ao seu redor, Serra deve dar fôlego a Alckmin em São Paulo e evitar truculência na disputa com Aécio, outro presidenciável tucano.

Na noite do domingo 26, depois de contados os votos, "Serrinha paz e amor" voltou a usar o telefone. Do outro lado da linha estava Aécio Neves. Três qualificados tucanos testemunharam o diálogo. Serra parabenizou o mineiro pela vitória de seu candidato em Belo Horizonte e não fez nenhum comentário sobre o fato de, no primeiro turno, Aécio ter ultrapassado as fronteiras de Minas para tentar interferir na eleição paulistana. "O Aécio, em outro partido, pode se transformar em adversário indigesto", disse Serra quando desligou o telefone, segundo um dos presentes. Na terçafeira 28, em Brasília, depois de assinar convênios na área de habitação com o governador do DF, José Roberto Arruda (DEM), Serra afirmou que "a eleição em Minas deixou Aécio forte". Disse também que o PSDB e o DEM "precisam chegar unidos em torno do candidato que reunir o maior número de apoios políticos até o final de 2009".

Nos bastidores, o governador paulista faz circular uma pesquisa que o mostra maior do que o mineiro. O levantamento, feito apenas com nomes do PSDB em cidades do Nordeste onde o governo Lula é tido como imbatível, lhe confere 40% das preferências, enquanto Aécio não chega a 10%. Na quinta-feira 30, o prefeito eleito de BH, Márcio Lacerda, reagiu. Disse que o PSDB de Minas é social-democrata e que o PSDB de São Paulo é "de centro-direita". Afirmou ainda que os mineiros "têm capacidade histórica de buscar convergências".

Serra também busca lideranças de outros partidos, principalmente PMDB, PSB e PTB, hoje aliados do presidente Lula. Do PMDB, Serra já assegurou um pedaço, ao promover a aliança dos peemedebistas com Kassab e, para ampliar o leque, está agendando uma série de viagens para o Nordeste após o Carnaval. Nos últimos dois meses o governador tem feito visitas relâmpagos a diversos Estados e, semanalmente, conversa por telefone com o governador Sérgio Cabral (PMDB), do Rio de Janeiro, e Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco. No Paraná, "Serrinha paz e amor" ficou 20 minutos em uma loja de departamentos no centro de Londrina, autografando camisas e toalhas do Palmeiras compradas por eleitores, e tomou suco no quiosque do Jorge da Vitamina, no camelódromo da cidade.

A terceira parte do projeto de Serra consiste em não se posicionar como um anti-Lula. Dada a popularidade do presidente, Serra vai evitar bater de frente com o petista, mas pretende fazer de sua gestão no Estado de São Paulo um elemento de comparação. Com base em um estudo feito pela empresa de consultoria Macroplan, Serra avalia que o governo federal terá que reduzir os planos de investimentos no PAC, o que deverá prejudicar a candidatura governista em 2010. O estudo, levado à Comissão Executiva do PSDB pelo deputado Luiz Paulo Velloso Lucas (ES), projeta para 2009 um crescimento entre 2,5% e 3%. Serra quer fazer São Paulo crescer mais que isso. Quer mostrar aoeleitorado que, enquanto o governo federal precisa recorrer a cortes de despesas, São Paulo consegue ampliar investimentos em infra-estrutura. Nesse sentido, parece que os astros conspiram a favor do tucano.

Em março, quando em todo o planeta só se falava em crescimento econômico, Serra cancelou um leilão para privatizar parte da Cesp, por não haver propostas que chegassem ao valor mínimo. Na quarta-feira 29, em plena crise financeira mundial, o governador comemorou o resultado do leilão para outorgas de cinco lotes de rodovias estaduais com um deságio de até 55% no preço máximo dos pedágios. O Estado receberá ao longo dos próximos 18 meses R$ 3,4 bilhões pelo pagamento das outorgas e viabilizará investimentos de R$ 8 bilhões por 30 anos de concessão. Com esses recursos, Serra vai acelerar as obras do Rodoanel e promover melhorias nas marginais paulistanas. Na mesma quarta-feira, durante cerimônia de abertura do Salão do Automóvel, Serra e Lula trocaram amabilidades. Posaram juntos no interior de alguns carros expostos e a ministra Dilma Rousseff ficou do lado de fora, assim como não ocupou o palanque do evento, onde o governador revelou o projeto de abrir na Nossa Caixa uma linha de crédito especial para o financiamento de automóveis e caminhões.

Para assegurar que não faltarão recursos ao Estado, Serra vai intensificar programas como o Nota Fiscal Paulista, que abate impostos como o IPVA, mas aumenta a arrecadação de ICMS. Na área social, o governador avalia que não tem como fazer frente ao Bolsa Família, mas planeja levar para a disputa eleitoral outras credenciais. Durante a campanha municipal, uma pesquisa encomendada pelo DEM mostrou que Kassab ganhou muito voto com a promessa de ampliar o ensino profissionalizante nas escolas públicas. Sabedor disso, Serra colocou na proposta do Orçamento para 2009 a previsão de R$ 907 milhões para o ensino técnico e profissional. É mais do que os R$ 836 milhões previstos no Plano de Expansão de Educação Profissional do Ministério da Educação para todo o Brasil.

Nem tudo, porém, são flores na construção do "Serrinha paz e amor". Com o funcionalismo tratado a pão e água desde o início de sua gestão, Serra tem demonstrado absoluta falta de habilidade ao lidar com uma greve na Polícia Civil que já dura mais de dois meses. O movimento ameaça se espalhar para outros Estados e pode se traduzir em uma bomba de efeito retardado. Há três semanas, um conflito nos arredores do Palácio dos Bandeirantes entre policiais grevistas e a PM deixou um saldo de 24 feridos. Só faltou um cadáver para acender o barril de pólvora e fulminar o projeto serrista. A ameaça ainda não foi conjurada. Se na política o governador adota o perfil "Serrinha paz e amor", na gestão, Serra parece seguir os ensinamentos de eodore Roosevelt, presidente americano entre 1901 e 1908, que dizia: "Fale macio, mas carregue um grande porrete."