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Relembramos Nelson Rodrigues em vídeo com trechos de entrevistas e duas
de suas crônicas a respeito dos maiores gênios do futebol brasileiro, Pelé e Garrincha

 

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Nas comemorações de seu centenário de nascimento, as ideias do
escritor e dramaturgo sobre a política e as paixões humanas
nunca foram tão atuais – e igualmente polêmicas

Um escritor que não abria mão de sua independência intelectual – assim Nelson Rodrigues é definido pela sua filha Sonia Maria Santos no prefácio de “Nelson Rodrigues por Ele Mesmo” (Nova Fronteira), compilação inédita de entrevistas dadas pelo autor. Lida no embalo de seu pensamento cortante e plural, a obra funciona como uma espécie de biografia torrencial que abre as comemorações do centenário do cronista e dramaturgo nascido em 23 de agosto e morto em 1980. O relançamento de toda sua obra literária também está nos planos.

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Rodrigues (à dir.) com Sebastião Araújo, técnico do Fluminense, em 1979

Ao expor os pontos de vista de Rodrigues em relação ao sexo, amor, traição, teatro ou futebol, a obra evidencia quanto a sua compreensão do País e das paixões humanas continua extremamente atual. Tomemos, por exemplo, a política, foco privilegiado de suas crônicas: elas eram “politicamente incorretas” antes de a expressão existir em sua acepção atual. Evitando qualquer cartilha ideológica, as reflexões de Rodrigues não se direcionavam para um lado só – o escritor espinafrava a esquerda em plena ditadura e estava longe de se entender com a direita. Sonia define bem: “Ele fazia muita coisa de provocação reacionária contra os amigos e contra o público. Hoje sabemos que estava apenas enxergando adiante de sua época.” Os “padres de passeata” (assim ele chamava a ala de esquerda da Igreja) hoje onde estão? Tornaram-se padres cantores?

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Sônia Braga em “A dama do lotação”, em 1978

À sua língua afiada não escapavam nem os amigos e admiradores, como o cineasta e articulista Arnaldo Jabor. “Fiquei na calçada vendo a passeata passar com essa obsessão de ver um preto. Apenas um. O que vi foi o Arnaldo Jabor, meu diretor, que dirigiu o filme ‘Toda Nudez Será Castigada’, chupando Chicabon. E quando ele deixava de lamber o Chicabon dizia ‘participação, participação, participação’ e depois dava outra lambida no picolé”, diz, com o seu conhecido humor, em uma passagem do livro.

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Passeata dos 100 mil, no Rio de Janeiro, em 1968

Suas opiniões polêmicas ainda incomodam porque Rodrigues tratou de temas recorrentes – e insolúveis – da condição humana, como a morte, as mesquinharias do cotidiano e o sofrimento originado da cisão entre o amor e o sexo. Nascido no Recife, mas desde os 4 anos criado em Aldeia Campista, subúrbio do Rio de Janeiro, Nelson Rodrigues sempre voltou sua lupa para a classe média ou a baixa, justamente os setores da sociedade que hoje ganham mais visibilidade. “A classe média é formidável. Quando escrevo sobre ela, me debruço nas minhas varandas, vejo como é humana, como é interessante. É classe que mata e se mata”, disse certa vez, antes de cravar: “Um grã-fino precisa de 25 mil estímulos para se matar.” Pensamentos que, de um jeito ou de outro, estão até hoje no ar. Nelson Rodrigues faz falta.

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Nuno Leal Maia e Vera Fischer em "Perdoa-me por me traíres", em 1980

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O costumeiramente retratado subúrbio carioca,
como o bairro de Cosme Velho