img.jpg
MANIQUEÍSMO
Sarkozy e Hollande personificam forças contrárias

Ao longo do século XIX, pode-se dizer que a principal linha divisória entre esquerda e direita na França era o apoio à República ou à Monarquia. No século seguinte, mais precisamente nos anos 80, as forças antagônicas eram representadas por François Mitterrand e Jacques Chirac. Desde então, no entanto, os discursos não soavam tão diametralmente opostos na França como agora. De um lado, o conservador Nicolas Sarkozy. Do outro, o progressista François Hollande. É num clima de maniqueísmo que, no domingo 6, 45 milhões de franceses voltarão às urnas para o segundo turno das eleições presidenciais. O pano de fundo da disputa é a crise econômica da Europa, iniciada em 2009, que levou a França a amargar um déficit público de 5,2%, uma dívida pública de 87% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma taxa de desemprego de 9,8%, entre a população ativa, e de 25% entre jovens. Sarkozy apresenta uma plataforma fundamentada na austeridade fiscal. Alardeia aos quatro cantos ser o único capaz de alcançar a estabilidade ante o caos. Hollande, por sua vez, empunha a bandeira da esperança. Joga suas fichas no crescimento para tirar o País do atoleiro. O esquerdista propõe ainda taxar em 75% os salários anuais superiores a € 1 milhão e a restabelecer a aposentadoria aos 60 anos para quem tinha direito adquirido. “Agora é a hora da mudança”, repete Hollande como um mantra.

As principais diferenças entre os dois candidatos ficaram mais claras na semana passada durante a busca pelos votos da ultradireitista Marine Le Pen. Orientado por pesquisas que mostram a imigração e a criminalidade como as maiores preocupações do eleitorado da extrema-direita, Sarkozy endureceu ainda mais seu discurso em relação ao controle das fronteiras. “Os franceses não querem mais uma Europa que vaze como uma peneira”, disse durante um comício. Hollande, em contrapartida, se tornou ainda mais crítico das medidas de austeridade e da União Europeia. “Há uma parte do eleitorado de Marine que é contrário aos privilégios, à globalização e à Europa que não funciona”, afirmou ele, mirando uma parcela da populacão que votou na candidata ultradireitista no primeiro turno.

img1.jpg
ESPÓLIO ULTRADIREITISTA
Marine Le Pen adianta que não deve se definir por nenhum
dos candidatos, o que, em tese, ajuda François Hollande

Diferentes pesquisas mostram que a maioria dos votos que a extrema-direita recebeu será direcionada para o atual presidente. Mas em proporção é bem menor do que se podia imaginar seguindo a lógica de que Nicolas Sarkozy é o representante conservador do segundo turno (leia quadro). O que explica isso é que os 6,4 milhões de votos recebidos por Marine foram impulsionados não só por um sentimento de nacionalismo ameaçadoramente próximo à xenofobia, mas também pela atração dos jovens e da classe operária, anteriormente ligada ao comunismo. Favorável ao protecionismo, à reindustrialização, à liberdade monetária e à reconstrução dos serviços públicos, Marine representa uma direita que se confunde com as ideias da velha esquerda ortodoxa. “A divisão desses eleitores é resultado da falência das políticas econômicas do governo Sarkozy e do crescente desconforto na França com a globalização”, disse à ISTOÉ Charles Kupchan, pesquisador do Council on Foreign Relations.

Marine Le Pen não deve se definir por nenhum dos candidatos. Segundo um porta-voz, a Frente Nacional considera que Hollande e Sarkozy têm “programas semelhantes”. Ela deve fazer uma manifestação sobre o segundo turno no dia 1º de Maio – quando tradicionalmente a Frente Nacional faz ato em memória a Joana D’Arc –, mas dificilmente irá abrir voto a alguém. E, com um discurso contra a “política tradicional”, é provável que ela peça o voto em branco. Essa postura de Marine tem ajudado Hollande. Segundo o instituto TNS Sofres/Sopra Group pour iTél, Hollande bate Sarkozy por 55% a 45%.

Desde o agravamento da crise, os governos europeus mais alinhados à esquerda foram punidos pelas urnas. Em Portugal, os socialistas deixaram o poder desgastados no ano passado, quando o nível de desemprego atingiu recorde histórico e o país teve que apelar por resgate financeiro. Na Espanha, o Partido Socialista obteve, também em 2011, os piores resultados eleitorais em 30 anos como efeito da piora da situação econômica. No entanto, se as projeções se confirmarem e François Hollande for eleito, a França mostrará à Europa um caminho distinto.

img2.jpg