Dia desses acordei com a lembrança de Jorge ­Dória na cabeça. É, tenho essa mania besta de, vez ou outra, acordar me lembrando de nomes, lugares ou pessoas – sejam elas velhos vizinhos, artistas ou jogadores de futebol esquecidos. Naquela manhã era Jorge Dória o eleito. E a pergunta que não calava era: será que o homem morreu? Afinal, nunca mais ouvi falar dele.

Pra quem está chegando agora, Dória é um grande ator e comediante carioca, que participou de inúmeros filmes, peças, novelas e seriados de tevê. Seu maior sucesso no teatro foi como o protagonista de “A Gaiola das Loucas”, peça recentemente remontada por Miguel Falabella e Diogo Vilela. Participou do histórico filme “Assalto ao Trem Pagador”, de Roberto Farias, entre outros tantos. Na tevê, foi Lineu na primeira versão de “A Grande Família”, hoje revivido por Marco Nanini no remake de sucesso da série.

Eu era menino no início dos anos 70 e o programa, sucesso absoluto, tinha ainda em seu elenco Osmar Prado, Eloísa Mafalda e o (engraçadíssimo e saudoso ator) Luiz Armando Queiroz. Lembro da minha grande família em torno do televisor (sim, quando queríamos parecer mais inteligentes, chamávamos a televisão de “aparelho televisor”) recém-adquirido, às gargalhadas com as trapalhadas da simpática e suburbana família, que se completava com Brandão Filho, Paulo Araújo e Djenane Machado, que depois seria substituída por Maria Cristina Nunes (devo dizer, com certo orgulho, que escrevi este texto até agora sem uma consulta sequer ao Google).

Sim, mas, afinal: Jorge Dória estaria vivo ou morto? – essa pergunta martelava meu juízo naquela manhã. Como saber? (Sim, pode comemorar, caríssimo leitor, agora sim, serei obrigado a consultar o grande oráculo). Curiosamente, ao teclar Jorge Dória para pesquisa no Google, duas “sugestões” apareceram de imediato: “Jorge Dória ator” e “Jorge Dória morreu”, com várias páginas reverberando o boato sobre sua suposta morte (então a dúvida não é só minha, ufa, que alívio!). O que se conclui, depois de ler as dezenas de páginas sobre o tema, é que Dória está vivo, porém doente, depois de sofrer um AVC em 2004. Tem saúde estável, mas está afastado da atividade artística (“Zorra Total” foi seu último trabalho), pois teve a locomoção comprometida pela doença.

Um dos clichês mais repetidos sobre o Brasil é o de que é “um país sem memória”. Reconheço uma falta de carinho para com seus artistas e ícones, embora não me agrade o papel de reclamão rabugento. Quando Luiz Bonfá, grande violonista brasileiro, um dos precursores da bossa nova e autor de alguns clássicos, dentre os quais “Manhã de Carnaval” – uma das mais belas melodias do nosso cancioneiro –, morreu em 2003, o “Jornal Hoje”, da TV Globo, dispensou-lhe mísera matéria que mal durava um minuto. Na mesma edição mostrou matéria tola e interminável sobre um brasileiro que havia estudado com George W. Bush, na época em campanha para sua reeleição. Também soube da morte de Armando Bogus, um dos maiores atores da televisão brasileira, em nota de pé de página num dos maiores jornais do País. A capa do caderno de cultura daquele dia estampava o surgimento de uma nova banda pop, cujo nome já deve ter caído no esquecimento até do jornalista que escreveu tal matéria.

Outro clichê repetido à exaustão sobre o Brasil é de que “é um país colonizado culturalmente, provinciano”, que vira as costas para seus valores enquanto cultua o lixo cultural importado. Não gosto de compactuar com esse argumento, porque não raro os nacionalistas medíocres e o senso comum idiotizante se apropriam dele perigosamente. Mas que nossos velhos artistas mereciam mais respeito e reverência, disso não resta dúvida. E Jorge Dória, em toda sua glória, vivo e morto nas mil páginas da net, não me deixa mentir.

P.S.: Certa vez encontrei com Jorge num avião. Ele sentou-se perto de mim e dos músicos de minha banda e trocamos gentis “cumprimentos de cabeça”. Foi um voo tenso, com muita turbulência, e o cara, mostrando seu talento inato pro humor, fez um verdadeiro show de graça, divertindo os passageiros com suas gags e falas delirantes dirigidas ao piloto e aos comissários, arrancando gargalhadas de todos e aliviando a tensão do trajeto. Um gênio!

Zeca Baleiro é cantor e compositor