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NA CADEIA
Ney Matogrosso como o Bandido da Luz Vermelha: roupas do dia a dia
para compor o personagem e nenhum laboratório para entrar em cena

Em uma cena do filme “Luz nas Trevas – a Volta do Bandido da Luz Vermelha”, que estreia na sexta-feira 4, o protagonista se encontra preso e caminha nu pela cela. A câmara o mostra apenas de costas. O ângulo frontal também foi usado durante as filmagens, mas não agradou ao ator que interpreta o bandido. Ator? Não, cantor. Ele é Ney Matogrosso e sua estreia como protagonista, aos 70 anos, vem sendo comemorada como um novo desafio em sua carreira. “Fazer a sequência não foi nenhum problema. Mas qualquer homem nu, de frente, chama muita atenção, e eu acho que isso desviaria o foco”, diz ele. O filme é uma continuação do clássico “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, uma alegoria sobre o criminoso João Acácio Pereira da Costa, que aterrorizou São Paulo na década de 1960. A atual versão tem direção da viúva de Sganzerla, Helena Ignez, em parceria com Ícaro Martins. No novo enredo, o criminoso cumpre pena e sua trajetória é recontada por seu filho Jorge (André Guerreiro Lopes), que resolve seguir os passos do pai – apenas ficção, nada a ver com a história real de João Acácio. “Tudo é diferente. Trata o bandido com humor”, diz Ney.

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Aos que associam a investida do cantor na atuação a uma excentricidade passageira, aqui vai uma pista: a paixão é antiga, vem dos tempos de escola, quando cabulava aula para ir ao cinema. Ao lançar o grupo Secos e Molhados, na década de 1970, Ney chamou a atenção justamente pela forma teatral de se apresentar. A facilidade em encarnar personagens o levou, primeiro, a participações em curtas-metragens. Caminho natural para atuações mais ousadas, como em “Sonho de Valsa”, de Ana Carolina. Nada, contudo, que se compare à interpretação de um protagonista como agora. Ele diz ter aceitado imediatamente o convite feito por Helena Ignez em 2009. A dúvida veio depois: “Não tinha lido o roteiro. Temi que fosse uma refilmagem, o que daria margem a comparações.”

Não houve preparação para o papel. A diretora queria que o cantor fosse o mais verdadeiro possível em sua interpretação. “Ela pediu para que eu incorporasse ao personagem o Ney de fora do palco, mas também o do palco. Eu falei que ia tentar”, diz. Como contribuição pessoal, Ney emprestou sua própria roupa ao personagem: “Levei várias camisas decotadas e justas e muita coisa foi usada nas filmagens.” Não espere, contudo, a androginia e a insinuação sexual que se tornaram a sua marca. Seu bandido é um ser amargurado pelos anos de confinamento, crítico e com sede de sair da prisão. “Não faço cinema só por fazer”, diz ele.