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INSTANTÂNEOS
Nesta foto, Jobs logo depois de sua saída da Apple, em 1985

Steve Jobs, arquiteto maior da sociedade digital na qual vivemos, ganhou o status de divindade depois da sua morte, em 5 de outubro de 2011. Para se ter uma ideia, há quem chame o criador da Apple, do iPhone e do iPad simplesmente de iGod. O lançamento-relâmpago de sua biografia autorizada, apenas 23 dias depois do desfecho da batalha de Jobs contra o câncer, cumpriu com perfeição a função de divulgar a versão oficial da história. Agora, um novo relato sobre a fase mais difícil da vida profissional do empresário – que vai da sua demissão na Apple, em 1985, à volta triunfal à empresa, em 1997 – revela facetas muito mais humanas do mito.

As revelações foram feitas pelo jornalista americano Brent Schlender (ex-editor de publicações como “Fortune” e “The Wall Street Journal”), que divulgou na semana passada trechos inéditos de mais de 36 horas de entrevistas com Jobs, realizadas durante 25 anos. A reportagem ganhou a capa da revista “Fast Company”. Amigo e confidente do empreendedor, Schlender focou sua história na era que chama de “os anos selvagens de Jobs”. “O período intermediário foi o mais decisivo da vida dele”, descreve o jornalista.

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Ao fundar a NeXT, no mesmo ano ( 1985 )

A história, que mostra Jobs como um ser humano comum e suscetível a momentos de raiva e rancor, começa em 1985. Demitido por John Sculley, o executivo que contratou para administrar a empresa que fundou, Jobs vendeu todas as suas ações e entrou em rota de colisão com o passado. Segundo Schlender, o empresário não conseguia dizer absolutamente nada positivo a respeito da Apple – tanto oficialmente, durante as entrevistas, quanto em off, quando os gravadores estavam desligados. “Desde o momento em que deixou a Apple, ele dizia que Sculley havia ‘envenenado’ a cultura da firma”, descreve Schlender.

Pouco depois, surge o empreendedor de risco. Novamente, é mostrado um Jobs que erra e se angustia com falhas de planejamento. Ao fundar a NeXT, empresa que pretendia vender computadores de ponta para universidades, Jobs captou dinheiro com investidores como Ross Perot, ex-candidato à Presidência dos EUA, e viveu momentos de apreensão quando viu o negócio à beira do abismo. Sua visão, baseada na venda de máquinas que custavam proibitivos US$ 65 mil, revelou-se um fracasso retumbante. Na sequência, em 1986, a redenção começou a se desenhar quando o visionário mergulhou na animação digital. Na Pixar, os embates criativos amenizaram o clima, turbinaram a autoconfiança (e a arrogância) de Jobs e ajudaram a forjar o estilo de liderança que o consagraria na volta à Apple dez anos depois.

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Com a luminária-símbolo da Pixar

Na virada dos anos 90, quando muitos já apostavam na reviravolta que mudaria a história da tecnologia para sempre, Schlender teve uma conversa reveladora sobre os sentimentos do criador por sua criatura. “Eu ainda amo a Apple. Mas imagine que você é a mãe de um cara ruim, do (serial killer) Jeffrey Dahmer. Você é mãe de alguém que virou um ladrão, que roubou um banco, que matou outras pessoas e agora está na cadeia. Você continuaria a amá-lo? Não igualo a Apple a isso, mas é mais ou menos assim. Você nunca deixa de amar um filho”, ironizou Jobs dois anos antes de retornar ao comando da empresa. Mais humano, impossível.

Fica claro que a principal diferença entre os relatos de Walter Isaacson – autor da biografia oficial – e os de Schlender é o calor dos depoimentos. Enquanto o primeiro colheu as lembranças do empresário em entrevistas realizadas pouco antes da sua morte, o segundo conversou com Jobs pouco depois dos fatos que mudaram a evolução da tecnologia para sempre. “A história de Steve Jobs será lembrada muitas vezes, com novas interpretações e relatos. Ao recontá-la, quis mostrar quanto as lições de seus ‘anos selvagens’ são inspiradoras”, conclui Schlender.

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