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A falta de regulamentação para o funcionamento das casas de bingo no País patrocinou o fechamento de aproximadamente mil estabelecimentos a partir de 2004. Desde então, milhares de empregos foram eliminados, milhões em impostos deixaram de ser arrecadados e as suspeitas de que os bingos – alvo de uma CPI no Congresso – servem para lavagem de dinheiro continuam tema para discussão.

Mas pouco, ou quase nada, tem sido dito sobre a angústia que a falta dos bingos tem provocado nos idosos. A Federação Brasileira de Bingos (FebraBingo) estima que 60% dos (ex) freqüentadores dos bingos têm mais de 50 anos. “O jogo de azar é um vício, a gente sabe disso. Nos alimentaram bastante anos a fio e, agora, nos deixam a deus-dará. Coisa que não se faz nem com viciado em droga”, reclama a aposentada Maria Cléo Salem, 83 anos, de São Paulo. “Ficamos órfãos”, resume o gaúcho James Funari.

Aposentado de 76 anos, James fala por si e pelos companheiros de apostas, os também aposentados Francisco de Deus Pereira e Eri Pinheiro Lopes, 87 e 66 anos, respectivamente. Os três freqüentavam um mesmo bingo, no centro de Porto Alegre, há 12 anos. A empresa fechou as portas em maio de 2006 depois que a Advocacia Geral da União entrou com uma ação coletiva contra todos os bingos gaúchos, acusando-os de atividade ilícita. “Hoje, não tenho para onde ir. Estou apavorado. Acabaram com a nossa maior e única diversão”, diz Francisco Pereira.

Viúvo há dois anos, Francisco acordava disposto às 7h30 porque sabia que, duas horas depois, estaria na porta do bingo aguardando o início das atividades, dali a meia hora. Cumpria essa rotina todos os dias – e não era pelo dinheiro, ele garante. O valor mais alto que gastou no jogo num mesmo dia foi R$ 40. Por outro lado, a sorte grande o premiou com R$ 10 mil certa vez. O que ele computa, porém, não tem valor dentro do bolso. “Dupliquei meu círculo de amizades ali. Eu era conhecido como Bandeira do Divino, porque todo mundo jogava beijo pra mim”, conta.

Seu Chico, outra forma como era chamado, deixava a mesa de apostas às 11h30 para almoçar. Às 15h retornava ao jogo e só saía do local às 19h. “Hoje, fico zanzando pela rua, na praia”, reclama Francisco. “É perigoso, mas a gente está numa idade que, se não fizer algo, tem depressão”, diz James, que só não ia ao bingo aos sábados e domingos.

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Foi o que ocorreu com três amigas da paulista Dirce Dallal, 79 anos. Jogadora há 12 anos e ex-freqüentadora de bingos há três meses, ela diz que as companheiras de apostas entraram em depressão com a “falta dessa terapia da terceira idade”. “Eu não estou assim, mas tô aqui sentada vendo essa droga de televisão! Aí, mais tarde, vou à farmácia tomar minha insulina e retorno para casa”, conta Dirce, que passou a ir a bingos depois que os filhos casaram e saíram de casa.

No Brasil, a segurança era outro fator que atraía o público da terceira idade – com consentimento familiar – aos bingos. Carlos Eduardo Canto, dono de bingo no Paraná e presidente da FebraBingo, conta que às 14h, quando abria seu estabelecimento, os netos eram os primeiros a encostar os carros trazendo os avós. “Isso porque o Brasil não oferece lazer com segurança para esse público”, afirma ele.

A aposentada Maria Cléo concorda e afirma que os bingos foram uma bênção para ela e o marido, o empresário Armando Salem, 92 anos. Os dois, que jogavam em cassinos em Punta del Este (Uruguai) e Foz do Iguaçu, tornaram-se freqüentadores assíduos de uma casa de jogos na capital paulista depois que Armando infartou, em 2005, e deixou de viajar para longe. Jogar toda quintafeira, às 17h, era sagrado para o casal. “Éramos bem tratados, davam chá, faziam festinhas. Dizem que, com a idade, a gente vira criança. Eu diria, então, que sem os bingos é como se tivessem escondido todas as minhas bonecas”, resume.