Ligada à cidade do Rio de Janeiro por uma ponte de 13,29 quilômetros sobre o mar, Niterói sempre conseguiu combinar as vantagens das cidades pequenas com as facilidades de estar bem próxima a uma metrópole. Dona da maior renda per capita do País, R$ 2.031, com 30% dos moradores na classe A, também detém o terceiro melhor índice de qualidade de vida do Brasil, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O cotidiano de seus 500 mil habitantes, porém, não é mais tranquilo como no passado. Somente na primeira quinzena do mês, cinco pessoas foram baleadas. Um médico, um universitário, uma dona de casa, um policial militar fora de serviço e um fiseoterapeuta. Os quatro primeiros morreram, o último corre o risco de ficar cego. A violência que se abate sobre os niteroienses tem a ver com a queda da criminalidade na cidade do Rio. A instalação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) em favelas cariocas expulsou os traficantes, que se refugiaram no município vizinho e, agora, atacam sua população. O governo estadual atentou para a situação e promete uma ofensiva à altura.

“Antes, a gente fechava o bar quando o último freguês pedia a conta. Atualmente, estamos pedindo para os clientes irem embora porque o medo nos obriga a fechar mais cedo”, lamenta Carlos Manhães, 50 anos, dono de um bar no Ingá, área nobre de Niterói, que, em 23 anos de funcionamento, nunca tinha sido assaltado. Em fevereiro, o estabelecimento sofreu dois assaltos por homens armados. De seis meses para cá, verificou-se o aumento na incidência de assaltos ao comércio, às residências e aos pedestres na cidade (leia quadro). “A gente percebe que os bandidos são ‘estrangeiros’ por causa da forma gratuita com que as vítimas são machucadas, mesmo sem esboçar reação”, diz o teólogo Antonio Carlos Costa, coordenador da Organização Não Governamental Rio de Paz e morador de Niterói. A polícia detectou que traficantes cariocas do Morro da Mangueira e da favela da Maré se instalaram em favelas do município. Na sexta-feira 13, PMs evitaram a invasão do Morro do Palácio, no Ingá, por parte de bandidos da comunidade Mandela, do Rio.

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CONTRA-ATAQUE
Operação policial para capturar traficantes que
fugiram do Rio e se refugiaram na cidade vizinha

Para a antropóloga Ana Paula de Miranda, coordenadora do grupo de estudos da violência da Universidade Federal Fluminense (UFF), no entanto, a migração é apenas parte de um problema maior. “Talvez explique o acirramento dos atos violentos, que são antigos. Não vejo policiamento em Niterói há muito tempo”, afirma. A antropóloga ressalta que a onda atual teve início justamente após o assassinato da juíza Patrícia Acioli, em agosto do ano passado. “Esse crime foi um marco e revelou toda a fragilidade da cidade”, afirma. Alunos, professores e funcionários da UFF estão entre os primeiros a perceber essa vulnerabilidade. O grande número de assaltos que eles sofreram na rua General Andrade Neves, via de acesso à universidade, acabou por rebatizar o local como “Rua do Perdeu”. É que, na gíria de marginais das favelas do Rio, essa é a senha do assalto. “Eles apontam a arma para a vítima e dizem ‘perdeu, perdeu’”, explica uma aluna da universidade que prefere não ter o nome divulgado. Para evitar que alunos e funcionários transitem pela perigosa rua, o reitor Roberto Salles comprou três ônibus para transportar o pessoal entre a instituição e um terminal de barcas.

Acuada, a população tem reagido por meio de manifestações públicas. Este ano já foram quatro, a última no sábado 21, na Praia de Icaraí, organizada por universitários que fundaram o movimento Niterói Quer Paz. “Não somos contra a pacificação do Rio, mas queremos um plano de segurança para Niterói também”, explicou o estudante Raphael Costa, 17 anos. “A população cresceu e o número de policiais diminuiu”, diz Costa, referindo-se ao fato de que na década de 80 havia 1,2 mil PMs na cidade e hoje são cerca de 700. O secretário de Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, reconheceu que o município pode estar sendo invadido por criminosos cariocas e anunciou medidas de emergência para conter a violência.

A principal delas é a instalação de duas Companhias de Polícia, cada uma com 100 homens, em duas favelas de Niterói: Cavalão, na zona sul, e Estado, no centro. O policiamento motorizado também foi reforçado. Durante a inauguração de duas UPPs no Complexo do Alemão, na quarta-feira 18, o governador fluminense, Sérgio Cabral (PMDB), acenou com a hipótese de levar o projeto de pacificação para Niterói antes do previsto. “Se as medidas emergenciais não resolverem, nós vamos para a UPP (em Niterói)”, afirmou. É preciso agir para impedir que a escalada da violência manche os bons indicadores sociais e econômicos de Niterói. 

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