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Ela perdeu o pai aos seis anos de idade e a mãe aos 17, vendeu artesanato numa praça, foi modelo fotográfico, teve um acidente de carro em que quase perdeu a vida e do qual saiu com seu rosto desfigurado por cortes profundos, venceu o primeiro reality show da tevê brasileira numa megaexposição que chegou aos quase 60 pontos no ibope, conheceu o sucesso em larga escala fazendo uma garota com anorexia alcoólica na novela “Viver a Vida”.

Bárbara Paz diz que em geral sente ter muito mais do que seus 37 anos. Dá para entender. Uma existência tão curta quanto intensa talvez tenha sido a principal razão pela qual a garota de Campo Bom, no Rio Grande do Sul, seja reconhecida hoje como uma das melhores atrizes brasileiras de sua geração. As cicatrizes, a exposição escancarada e absoluta na “Casa dos Artistas” e alguns papéis como o da alcoólatra na novela de Manoel Carlos contribuíram para que essa percepção demorasse um pouco a se cristalizar. Preconceitos e rótulos diversos, imagem de louca para alguns, de bagaceira para outros, tudo isso foi se dissipando conforme Bárbara foi encontrando desafios dramáticos (agora no sentido figurado) à altura do seu talento. Difícil falar em auge para alguém tão jovem, mas a peça “Hell”, protagonizada por ela e dirigida por seu marido, Hector Babenco, pode ser considerada a pós-graduação cênica de Bárbara Paz. Vivendo uma garota jogada na noite, na angústia, no sexo e nas drogas numa cidade grande qualquer, a atriz cresce de tal maneira que se ergue sobre o palco, a plateia, a avenida Paulista e sobrevoa as almas de quem a vê, tirando a todos de seus turbilhões de afazeres, de pensamentos do dia a dia, carregando os espíritos para um lugar diverso daqueles em que se encontravam. E é esse, afinal, o sentido mais nobre da palavra diversão.

As fotos acima, publicadas em primeira mão pela coluna, são de Marcelo Naddeo e fazem parte de um ensaio para a edição de maio da “Trip” que mergulhará no tema “anonimato”.

Se não bastasse encenar a peça no teatro Eva Herz, ali onde ficava o antigo cine Astor, na região central de São Paulo, Bárbara, Hector e companhia levam o espetáculo “Hell” em sessões gratuitas aos CEUS, centros educacionais localizados nos bairros periféricos da cidade, se apresentando para muitas pessoas que nunca estiveram diante de um espetáculo artístico. Uma ideia tão feliz que justifica até o trocadilho quase inevitável do título desta coluna. Mais do que brincar com a divertida coincidência, talvez seja uma analogia que resume com precisão a trajetória de vida da própria Bárbara.

Se alguém ainda tinha equivocadamente um resto de dúvida sobre o enorme talento da atriz Bárbara Paz, sairá do teatro leve. E sem nenhum resquício dela.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente