A crise financeira chegou ao Brasil. A decisão do Banco Central americano, o Federal Reserve, de trocar (fazer um "swap") US$ 30 bilhões por reais com o Banco Central do Brasil e, com isto, refor- çar as reservas do país mostra a gravidade da crise. Como o Brasil foi, nos últimos anos, um dos maiores recebedores de investimentos externos, o retorno de pelo menos parte deste capital está gerando perda de reservas cambiais e forte desvalorização do real. O "swap" tem por objetivo facilitar o retorno dos capitais a seus países de origem.

A desvalorização do real que se seguiu à reversão do fluxo de capitais pegou um número ainda não especificado de empresas exportadoras no contrapé, ou seja, de alguma forma vendidas em dólar no mercado futuro. O anúncio de que grandes empresas como a Sadia, a Votorantim e a Aracruz haviam perdido bilhões de dólares nestas operações espalhou a percepção de que outras empresas estariam em situação similar, aumentando o risco de insolvência, não apenas das próprias empresas, mas também dos bancos envolvidos. A decisão do governo de enviar ao Congresso uma medida provisória permitindo que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal comprem bancos sem licitação reforçou a sensação de que algo muito grave estaria ocorrendo. Os boatos de que alguns bancos importantes estariam passando por dificuldades se espalharam pelo mercado. O pânico se disseminou e produziu uma forte retração na oferta de crédito.

A retração do crédito e a desvalorização cambial têm efeitos diametralmente opostos sobre a taxa de inflação.

Uma redução da oferta de crédito é fortemente recessiva e, portanto, deflacionária. As empresas precisam de crédito para financiar seus investimentos e o capital de giro necessário para a compra de insumos utilizados no processo produtivo. Se o crédito pára, a produção também pára, e, se esta paralisação persiste, o desemprego aumenta, os salários reais caem, a demanda por bens e serviços diminui e, como resultado, as pressões inflacionárias são contidas.

Por outro lado, a desvalorização cambial aumenta os preços dos produtos importados e dos bens produzidos no Brasil que competem com os bens importados e, portanto, tem um efeito fortemente inflacionário. As estimativas mostram que entre 8% e 12% da desvalorização cambial é repassada aos preços ao consumidor. Se a desvalorização cambial já ocorrida nos últimos dois meses persistir pelos próximos 12 meses, estaremos adicionando 2,5 pontos de porcentagem à taxa de inflação de 6,3% hoje vigente.

A combinação de retração do crédito com desvalorização do real coloca o Banco Central diante de um dilema. O que fazer com a taxa de juros? A primeira reação foi interromper o processo de aumento na expectativa de que a redução do nível de atividade decorrente da retração do crédito será suficiente para compensar a desvalorização do real e levar a taxa de inflação para a meta (4,5% ao ano). Entretanto, o mais provável é que a retração do crédito tenha vida curta.

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Os sinais são de que as condições já começam a voltar ao normal nesta área. Porém, a tendência à desvalorização cambial parece mais permanente. As exportações brasileiras já começam a cair e as importações continuam crescendo.

O superávit na balança comercial vai diminuir e, como as empresas estrangeiras devem ainda ter lucros no Brasil e prejuízos em seus países de origem, as remessas de lucros e dividendos vão continuar elevadas. As expectativas de inflação para 2008, 2009 e até mesmo para 2010 já sinalizam uma aceleração da taxa de inflação nos próximos anos. Vai ser difícil para o Banco Central atender às pressões políticas por queda da taxa de juros. O dilema vai se intensificar.

José Márcio Camargo é professor do Departamento de Economia da PUC/Rio e economista da Opus Gestão de Recursos


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