Há uma piadinha infame circulando pela internet. Nas portas do céu, São Pedro pergunta ao próximo da fila o que ele fez pelo bem da humanidade. "Sou Barack Obama, o primeiro negro eleito presidente dos Estados Unidos", diz o candidato a uma vaga no paraíso. Espantado, São Pedro indaga: "Mas quando foi isso?" E Obama responde: "Meia hora atrás." A piada não tem muita graça, mas há quem leve a sério qualquer profecia macabra sobre o novo presidente americano. Os corvos, como a escritora inglesa Doris Lessing, dona do Nobel de Literatura de 2007, estão por toda parte. Em fevereiro deste ano, ela vaticinou: "Se Obama for eleito, será assassinado."
De onde vem a sensação de que a euforia pode dar lugar ao luto? Da própria história americana. Milhares de pessoas ajudaram a construir o sonho da vitória de Obama, mas ele teve três grandes pais espirituais – e todos morreram de forma trágica. O primeiro foi o republicano Abraham Lincoln, que governou os Estados Unidos entre 1861 e 1865. Lincoln emancipou os escravos e evitou a divisão do país na Guerra da Secessão, mas as feridas abertas por seus atos de coragem levaram ao seu assassinato, com um tiro na nuca, durante uma peça de teatro. Depois dele, o democrata John Fitzgerald Kennedy começou, em 1961, a implantar políticas de cotas raciais nos EUA – dois anos depois, também foi morto. Finalmente, foi a vez de Martin Luther King Jr., que, em 1963, diante do Lincoln Memorial, fez seu maior discurso – "eu tenho um sonho". Cinco anos depois, foi baleado por um ex-presidiário.
Ainda que um plano para matar Obama tenha sido descoberto às vésperas da disputa presidencial, nada indica que a história irá se repetir. Para muitos analistas, a apoteótica eleição da semana passada, que fez o mundo chorar, pode ter significado a vitória definitiva sobre o racismo, num país que abriga a Ku Klux Klan, que tem mórbida paixão por armas de fogo, e onde o símbolo máximo de poder é a asséptica Casa Branca. Mas, depois da lua-de-mel, Obama também terá de confrontar lobbies poderosos, se estiver mesmo disposto a resgatar a imagem dos EUA no mundo. Para citar apenas um exemplo, será preciso mudar a política externa em relação ao Oriente Médio, batendo de frente com os interesses da indústria armamentista e de Israel. Obama terá essa coragem? Ou será mais um presidente que fará o que o Departamento de Estado mandar? O primeiro negro da Casa Branca é hoje o César de uma Roma decadente, cercado por generais linha-dura, com nostalgia do Império. Sua Presidência será, certamente, a mais fascinante da história americana.