No longínquo 1947, dois anos depois da detonação das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, os Estados Unidos – que detinham o monopólio nuclear, mas ainda não tinham descoberto reservas de urânio significativas – apresentaram na ONU o “Plano Baruch”, pelo qual se propunha a desapropriação de todas as jazidas de minerais radioativos do mundo, que ficariam sob controle “internacional”. O objetivo desse plano era “corrigir as injustiças da natureza”, que proporcionara materiais radioativos a quem não tinha tecnologia e os negara a quem a tinha. O representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica da ONU, almirante Álvaro Alberto, pioneiro do programa nuclear brasileiro, desmontou a idéia ao dizer que concordava com a tese de corrigir as “injustiças da natureza” desde que o plano fosse estendido às demais riquezas minerais, como petróleo e carvão. Sessenta anos depois, com o Brasil na sexta posição no ranking mundial de reservas de urânio, o sonho do almirante de tornar o País auto-suficiente em energia nuclear para fins pacíficos volta a ser uma possibilidade real.

A decisão do presidente Lula de reiniciar a construção da usina nuclear de Angra III não apenas retoma uma obra que estava paralisada há 21 anos para fazer frente à nova ameaça de apagão no médio prazo. A nova central nuclear, cuja conclusão custará R$ 7,2 bilhões e deverá entrar em funcionamento em 2013, se insere numa concepção estratégica de médio e longo prazo. O Brasil, que nos últimos 30 anos aprendeu, a duras penas, a dominar o ciclo de enriquecimento de urânio, passará a enriquecê-lo em escala industrial para abastecer o complexo nuclear de Angra dos Reis. Hoje, o urânio brasileiro é enriquecido no Canadá e na Europa, porque ainda não temos escala. Por volta de 2013, quando Angra III estiver concluída, o Brasil será um dos quatro países do mundo com auto-suficiência no ciclo nuclear, desde a extração de urânio, passando pelo refinamento e chegando à construção de usinas. Hoje, somente os Estados Unidos, a Rússia e a China têm as reservas minerais e a tecnologia nuclear. As demais potências atômicas, como França e Reino Unido, não possuem matéria-prima. “Temos reservas de urânio, tecnologia para processá-lo e para fazer a usina”, argumenta o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende. “Portanto, não usar essa fonte de energia é um atestado de burrice.”

Além de Angra III, pelo menos mais quatro usinas deverão ser construídas pelos próximos governos. Na reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que na segunda-feira 25 decidiu por 9 a 1 retomar a construção da usina, a entidade aprovou também o Plano Nacional de Energia 2030, que prevê um total de até oito novas usinas nucleares, dependendo da disponibilidade de outras fontes de energia. Aliás, as quatro novas usinas não serão idênticas às duas últimas da família Angra, compradas da Alemanha durante a década de 70 e que têm capacidade de geração de 1.350 MW. As novas usinas terão reatores com capacidade de 1.000 MW, e devem sair por US$ 2,5 bilhões a unidade, menos da metade do que custará Angra III.

A retomada de Angra III estava na pauta do CNPE desde 2002. Desde sempre – e para todo o sempre – a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi contra. O argumento reflete convicções ideológicas de parte significativa – mas não a totalidade – do movimento ambientalista mundial, que se opõe, por princípio, à energia nuclear, como se ainda vivêssemos nos tempos sombrios da guerra fria e das ameaças do Dr. Strangelove. “Com relação à opção nuclear, somos contra, não aceitamos”, repetia Marina em todas as reuniões. Outros ministros, como a própria Dilma Rousseff, ex-Minas e Energias, também eram contra, mas por razões econômicas. O que mudou de lá para cá? Primeiro, a percepção de que o País terá um apagão em breve se não aumentar a oferta de energia, principalmente se crescer mais de 4% ao ano, como prevê o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo, os custos de geração de energia hidrelétrica aumentaram, porque há exigências de licenciamento ambiental. Isso criou até um conflito entre o governo e o Ibama por causa de uma suposta demora na concessão de licenciamento para duas hidreléticas no rio Madeira.

Houve também o fator Evo Morales, que praticamente fechou as torneiras para as apostas na opção gás natural e chamou a atenção para a necessidade de diversificar nossa matriz energética. Hoje, mais de 80% da energia produzida no Brasil é de origem hídrica; 4,5% vêm do gás natural, 2% de carvão e 2,5% são provenientes da matriz nuclear. As alternativas solar e eólica são insignificantes. Técnicos do setor dizem que não podemos ficar excessivamente dependentes de uma ou duas fontes energéticas – como a hídrica e a proveniente do gás – e ou de alternativas que não possuem escala – como a eólica e a solar. Finalmente, há o agravamento do chamado aquecimento global, que no Brasil poderá provocar grandes secas e baixar os reservatórios, como no apagão de FHC. Tudo isso e o fato reconhecido até por ambientalistas de que a energia nuclear não polui a atmosfera ajudaram a tirar a alternativa nuclear do limbo a que havia sido confinada pelos ecologistas.

Com a conclusão de Angra III, a participação da energia nuclear na matriz energética subirá para 4%. Mas ainda é insuficiente, na opinião de alguns pesquisadores. “O ideal é que o Brasil atinja entre 10% e 12% de participação nuclear na matriz energética”, diz Francisco Rondinelli, presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear. “A nuclear é a alternativa de menor custo e melhores condições, inclusive ambientais, principalmente no momento em que o mundo inteiro está discutindo a questão das mudanças climáticas, porque ela não tem emissões de gás carbônico”, completa o ministro interino das Minas e Energia, Nelson Hubner. Na contramão, o coordenador do Greenpeace, Guilherme Leonardi, saiu atirando: “Com o passar do tempo, fica cada vez mais claro que Angra III não é uma questão energética nem econômica. É ligada às origens do programa nuclear, que tem finalidades militares, e não pacíficas.” Alguém precisa avisá-lo de que a guerra fria já acabou e que o Brasil é signatário e fiel seguidor do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). As potências nucleares – as mesmas que queriam nos privar até das reservas de urânio e até hoje tentam restringir a auto-suficiência de países como o Brasil – devem estar adorando esse discurso pseudo-pacifista.