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Millôr Fernandes detestava lugares-comuns. Mas é justamente com um clichê, um dos mais batidos clichês, que os amigos e admiradores o distinguiam: “gênio”. Millôr também não gostava que o rotulassem profissionalmente, e isso é característico de quem é criativo demais. E ele o era: chargista, dramaturgo, tradutor, ilustrador, cartunista, jornalista e escritor. Millôr morreu no Rio de Janeiro aos 88 anos, na quarta-feira 28, de falência múltipla dos órgãos. Sempre exerceu muitas atividades ao mesmo tempo, mas a sua faceta mais evidente foi a de pensador, a de homem que filosofou no quadrado – quadrado, bem entendido, era o espaço que ele próprio desenhava e delimitava nas páginas de publicações como a revista “O Cruzeiro” e o “Jornal do Brasil” e no interior do qual filosofava sobre o cotidiano, a situação política e social do Brasil ou a muitas vezes patética condição da espécie humana. Millôr escrevia e fazia filosofia dentro de um quadrado gráfico, mas poucos nesse país tiveram a coragem de romper com o modo quadrado de pensar como ele rompeu. “Ele foi para o desenho do humor uma semana de arte moderna”, diz o cartunista Caulos.

O carioca Millôr era para se chamar Milton, porque assim queriam os seus pais. Os garranchos do escriturário do cartório, no entanto, transformaram o Milton em Millôr, e assim ficou. Para quem trilharia o caminho do cartunismo e do humor, o erro ajudou: a palavra Millôr já é quase um pseudônimo artístico. Ele começou como jornalista e cartunista na década de 1960, período em que trombou de frente com a ditadura militar. Criou a revista “Pif-Paf” em 1964, é um dos fundadores do jornal “O Pasquim” e esteve em alguns dos principais órgãos de imprensa do País, como ISTOÉ, onde trabalhou até o início dos anos 1990. Millôr publicou 50 livros, entre eles algumas preciosidades da dramaturgia como a peça “Liberdade, Liberdade” e a tradução de “Antígona”, de Sófocles. “A análise política e o seu desenho fascinavam”, diz a artista Ana Bella Geiger.