SEM CANUDO Em seu voto, Gilmar Mendes comparou os jornalistas aos chefs de cozinha

A partir de agora, qualquer brasileiro pode trabalhar como jornalista. Na quarta-feira 17, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por oito votos a um, que a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão é inconstitucional. A corte entendeu que a atividade não exige conhecimento técnico específico que torne obrigatório o canudo. A decisão destrói a forma como a profissão foi organizada no Brasil nos últimos 40 anos – a exigência vigorava desde 1969, pelo decreto-lei 972. Na época, o governo militar pretendia inibir a liberdade de expressão, limitando o espaço nos veículos de comunicação àqueles que tivessem diploma específico.

O tempo passou e a exigência do diploma deixou de ser um limitador da liberdade de expressão. Em seu voto, no entanto, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, pontuou que "o jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados e tratados de forma separada." Mendes ainda comparou o jornalista a um cozinheiro. "Um excelente chef de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por um profissional registrado mediante diploma."

A decisão do STF abre espaço para que outras atividades também possam ter a necessidade legal de diploma revista. O próprio Gilmar Mendes compartilha desse princípio. Para ele, a Cons tituição é clara ao estabelecer que o Estado só pode regular profissões que exijam saber científico. Mas, para que a obrigatoriedade do canudo caia, é preciso um pedido formal à Justiça. No caso dos jornalistas, foi o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo e o Ministério Público Federal que questionaram a obrigatoriedade. "A associação via isso como uma camisa de força", diz Daniel Slaviero, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert).

A não obrigatoriedade do diploma para jornalistas certamente trará reflexo negativo nas faculdades de comunicação, embora os responsáveis por esses cursos procurem minimizar o fato. "Não foi o diploma que caiu, e sim a obrigatoriedade dele", diz Carlos Costa, coordenador da Faculdade Cásper Líbero.

"A maioria dos países não exige o diploma e mesmo assim as faculdades de jornalismo crescem em todo o mundo", afirma José Marques de Mello, fundador da Escola de Comunicação e Artes da USP. Célio Campos, coordenador de jornalismo das Faculdades Integradas Hélio Afonso, no Rio de Janeiro, também não acredita em um recuo de alunos matriculados. "Para a carreira de publicitário não se exige diploma e mesmo assim há muita procura", afirma Campos. Apesar das constatações, fica difícil imaginar que um jovem que queira ser jornalista não procure outro curso superior, buscando uma formação humanística mais sólida.

Os órgãos representativos dos jornalistas ainda não digeriram a decisão do STF e pretendem trabalhar para buscar mecanismos de regulamentação da profissão. "A postura do STF é um duro golpe na qualidade da informação jornalística e na organização da categoria", diz Sergio Murillo de Andrade, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).