O secretário-geral da OEA diz que o presidente americano quer outro diálogo com o continente e defende o fim do embargo a Cuba

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A Organização dos Estados Americanos (OEA) vive entre a cruz e a espada. De um lado, é atacada por dirigentes como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que a acusam de se dobrar aos interesses dos Estados Unidos. De outro, a entidade, fundada em 1948, esforça- se para manter a autonomia e atender aos anseios dos 35 paísesmembros. No meio do tiroteio está o secretário-geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza, 66 anos, que já foi chamado de "idiota" por Chávez. Em entrevista à ISTOÉ, Insulza diz que a OEA tem correspondido plenamente às demandas da região. "Há quem diga que a OEA não serve para nada, mas todo o direito americano foi construído dentro desse organismo", defende.

Principal articulador da volta de Cuba à OEA, Insulza fala dos bastidores da negociação que permitiu o fim da sanção imposta à ilha desde 1962 e destaca o papel do Brasil no acordo. O reingresso de Cuba, porém, não será automático. Depende de um pedido formal. "O governo cubano terá que fazer um pedido formal. Naturalmente, todos na organização têm que estar sujeitos às mesmas regras, direitos e obrigações." Entre as obrigações está a defesa dos direitos humanos e da democracia.

É neste ponto que Insulza chega ao que define como a questão de fundo: o fim do embargo comercial a Cuba. Primeiro porque, em sua opinião, democracia se faz incluindo, e não excluindo. Segundo porque acredita que, "se o embargo cair, tudo mais é possível."

ISTOÉ – O que pesou mais para o fim da resolução de 1962: o fato de Fidel Castro ter sido afastado da Presidência ou a eleição de Barack Obama?
José Miguel Insulza

Creio que o afastamento de Fidel Castro não tem nada a ver com isso. Mas, sim, o fato de termos uma nova administração americana. O presidente Barack Obama demonstrou, desde o início, sua disposição em estabelecer uma nova relação com Cuba. Ele percebeu que todos os países latino-americanos têm relações normais com Cuba, então não há sentido em remar contra a maré.

ISTOÉ – Mas, antes da cúpula, os EUA estavam decididos a impor condições para o reingresso de Cuba na OEA. A partir de que momento o governo de Obama resolveu ceder?
José Miguel Insulza

O texto foi modificado parcialmente pelo grupo de trabalho criado pelos chanceleres em linhas muito parecidas ao que os sul-americanos haviam proposto dias antes. Estava claro que tínhamos ali uma oportunidade de revogar sanções sabidamente anacrônicas. A ideia de Fidel de que os Estados Unidos foram derrotados não corresponde à verdade. Ninguém foi derrotado. Ao contrário, todos fomos vencedores. A resolução de 1962 era um erro antigo da América Latina, que foi gerado com o acordo de todos naquela época. Agora é uma vitória de todos também, para a OEA, para os Estados Unidos, para os latino-americanos e caribenhos, que conseguiram virar a página de um assunto que já é história, caiu no esquecimento.

ISTOÉ – Houve boatos de que a secretária de Estado, Hillary Clinton, abandonou a reunião porque não queria ceder às pressões de países como Venezuela e Bolívia. É verdade?
José Miguel Insulza

Absolutamente, não. Esses boatos não têm sentido algum. A resolução final aprovada pela Assembleia- Geral da OEA mudou muito pouco Amédesde o momento em que ela saiu. De fato, quando Hillary foi embora, porque tinha outro compromisso, os EUA já haviam aceitado a resolução.

ISTOÉ – Qual foi o papel do Brasil nessas negociações?
José Miguel Insulza

Todas as participações dos países foram importantes, mas a gestão brasileira foi fundamental. Pude testemunhar o intenso trabalho do chanceler Celso Amorim na busca de um consenso. Criou-se um grupo de trabalho e se negociou durante toda a noite de terça-feira. Ele tinha uma ideia fixa de que se havia de buscar um consenso ou não haveria solução.

ISTOÉ – Cuba já poderá participar das reuniões da OEA?
José Miguel Insulza

Não. Ela primeiro terá que fazer um pedido formal para o retorno à OEA. Não sei quanto tempo levará, mas a volta de Cuba terá que ser uma decisão por consenso. Naturalmente, todos numa organização têm de estar sujeitos às mesmas regras e ter os mesmos direitos e obrigações.

Isso significa que Cuba terá que se submeter a essas obrigações. Além disso, ninguém poderá pleitear o reingresso em nome do governo cubano.

O importante é que esta é uma oportunidade única para se discutir a questão de fundo, que é o embargo dos EUA à ilha.

ISTOÉ – O sr. acha que o passo seguinte é a suspensão do embargo?
José Miguel Insulza

É o que interessa agora. Ver como evoluem as relações entre Cuba e Estados Unidos, que terão de sentar para conversar em algum momento.

Queremos que isso comece logo. Na Assembleia-Geral da OEA em San Pedro Sula (Honduras), ficou claro que o fim do embargo é a questão mais importante, pois significaria uma virada de página, o fim de um capítulo complexo da história da região.

Queremos que isso comece logo. Na Assembleia-Geral da OEA em San Pedro Sula (Honduras), ficou claro que o fim do embargo é a questão mais importante, pois significaria uma virada de página, o fim de um capítulo complexo da história da região.

ISTOÉ – O fim do embargo apressaria a abertura de Cuba?
José Miguel Insulza

Sempre defendi a posição de que se promove melhor a democracia por meio da inclusão, e não da exclusão. Não acredito que sanções, embargos ou a confrontação promovam a democracia, que não deve ser imposta. Sou contra o embargo, que demonstrou não ter tido efeito positivo. Ao contrário, só prejudicou o povo cubano.

ISTOÉ – Com Obama na Casa Branca, o que mudou na relação dos Estados Unidos com a América Latina?
José Miguel Insulza

Há mudanças importantes de postura, possibilidade de concordar politicamente. Com a queda da resolução de 1962, os EUA demonstraram na prática que a opinião de seus parceiros no continente realmente importa. Os chanceleres, de forma geral, perceberam que Obama está interessado em ouvir a América Latina. A participação de Hillary na reunião de San Pedro Sula foi uma prova disso. Recentemente, Obama disse que não queria fazer política para as Américas, mas com as Américas. E o que era apenas uma bela frase começa a virar realidade.

ISTOÉ – Apesar de todas as gestões, Fidel Castro disse que não tem interesse em voltar à OEA. Como o sr. avalia a acusação de que a OEA sempre foi um instrumento dos Estados Unidos?
José Miguel Insulza

Fidel precisa compreender que a OEA de hoje não é mais aquela que ele conheceu nos anos 60. A Guerra Fria acabou há muito tempo, e o mundo todo mudou. Há novos governos na América Latina, que estão compromissados com a democracia. É importante notar que tanto o governo cubano como os dirigentes cubano-americanos em Miami sempre criticam a OEA, o que mostra que não estamos defendendo o interesse de uma das partes. Creio que temos uma posição bastante equilibrada. Não nos podem acusar de favorecer um determinado lado.

ISTOÉ – Mas a OEA é acusada de cumplicidade com atos de força e ingerência no passado.
José Miguel Insulza

Na realidade, em termos de operações da OEA contra países não houve grande coisa, salvo a Força Interamericana de Paz na República Dominicana no ano de 1965. O problema é que a OEA apoiou intervenções americanas contra determinados países. A verdade é que a OEA sempre foi um reflexo das posições dos próprios países. Portanto, a OEA mudou? Sim, mas porque os países mudaram. Hoje temos governos democráticos, que defendem a autodeterminação dos povos, o Estado de Direito, a não intervenção e os direitos humanos. Esses são temas que passaram a ser tratados com seriedade. Se a OEA apoiou intervenções, não foi por culpa de seu secretáriogeral, mas porque os países da região eram a favor.

ISTOÉ – Quais ações da OEA o sr. destacaria durante seu mandato?
José Miguel Insulza

Acho que a OEA agiu rápido na crise entre Colômbia e Equador (em março de 2008, tropas colombianas invadiram o território equatoriano para matar um comandante guerrilheiro). Também agimos prontamente para resolver o problema nas eleições do Haiti. Há quem diga que a OEA não serve para nada, mas todo o direito americano foi construído dentro desse organismo.

ISTOÉ – O presidente Hugo Chávez há dois anos pediu sua renúncia e o chamou de “idiota”. As relações com Chávez melhoraram?
José Miguel Insulza

Isso já foi superado. De fato, esses insultos repercutiram muito negativamente naquele momento, mas agora está tudo bem. Não existe nenhum conflito entre a OEA e os países da região.

ISTOÉ – Chávez lhe pediu desculpas?
José Miguel Insulza

Não quero falar sobre isso. Não cabe voltarmos a um tema que já está superado.

ISTOÉ – Há alguns anos, a OEA estava afundada em dívidas. Essa situação melhorou? A Venezuela está em dia com a OEA?
José Miguel Insulza

Sim. E o Brasil também. Não tenho a cifra exata, mas o orçamento hoje é composto de US$ 80 milhões de orçamento ordinário e cerca de US$ 70 milhões de aportes extraordinários, tanto dos países- membros como dos observadores. Os Estados Unidos seguem como o principal colaborador, arcando com 60% do orçamento. Não é suficiente para todas as ações de que precisamos, mas tem servido para cumprir nosso programa. Claro que seria bom ter mais recursos para direitos humanos, eleições, luta contra a pobreza.

ISTOÉ – Com a revitalização da OEA, há necessidade de outros blocos subregionais?
José Miguel Insulza

Certamente. Durante algum tempo se pensou que a integração regional se daria por meio de um só bloco político e econômico. Mas hoje se sabe que não é possível. Acredito que a integração da América Latina só é possível por blocos regionais, como Mercosul, Comunidade Andina, Caricom (Comunidade do Caribe) e Sica (Sistema de Integração Centro-Americano). Todos fazem trabalhos complementares ao da OEA. Se a questão da defesa hemisférica já não é tão importante, há frentes em que precisamos atuar unidos, como a ação em desastres naturais, o combate ao narcotráfico e a imigração. Isso vale também para a atual crise econômica.