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Aos 59 anos, o conservador Dominique de Villepin já conquistou seu lugar na história da França. Em 2003, quando era ministro das Relações exteriores, anunciou ao Conselho de Segurança da ONU que seu país não faria parte das forças que derrubariam Saddam Hussein. Foi o que bastou para que fosse alçado ao posto de protagonista na política europeia. Mesmo ­assim, Villepin perdeu terreno para o companheiro de partido Nicolas Sar­kozy, que venceu as eleições de 2007. A competição entre os dois fez com que Villepin fundasse um novo partido. Depois de se lançar pré-candidato às eleições presidenciais deste ano e patinar nas pesquisas, na semana passada ele desistiu da disputa. Villepin falou com exclusividade à ISTOÉ dias antes de embarcar para Manaus (AM), onde seria um dos palestrantes do Fórum Mundial de Sustentabilidade.

Leia a íntegra da entrevista:

Por que o sr. criou o partido République Solidaire?
Desde que deixei o cargo de primeiro-ministro, em 2007, me preocupo com as decisões do atual governo, particularmente no que se refere ao déficit público e às crescentes divisões entre o povo francês. É por isso que quis erguer minha voz no debate público. Como não consegui convencer a maioria do meu velho partido, acabei fundando minha própria legenda em 2010.

Como o sr. define a filosofia e os princípios do novo partido?
Pretendemos defender o legado do General de Gaulle. Ou seja, queremos recuperar nosso orgulho a respeito do papel francês no cenário mundial, como um agente de paz, desenvolvimento e diálogo entre Norte e Sul. A França sempre teve uma voz original e independente, assim como uma mensagem particular. Precisamos seguir nesse caminho, acompanhando a Primavera Árabe, promovendo soluções na Síria e na Líbia e fazendo propostas a nível global. Também queremos convocar os cidadãos em nome da união nacional. Precisamos assumir as responsabilidades que fortalecem uma nação frente aos enormes desafios impostos pela crise atual.

Como o sr. avalia seus principais concorrentes à presidência da França, o presidente Nicolas Sarkozy e François Hollande?
Ambos são prisioneiros da política. Essa é uma verdade em todas as democracias do mundo. A mídia, os grandes shows políticos, a dependência dos partidos, tudo isso é um perigo para a verdadeira democracia. Vivemos uma época muito particular, e espero que os franceses acordem e voltem a ser cidadãos responsáveis. Veremos.

A França está preparada para a volta do Partido Socialista ao poder?
Tudo está arranjado, e aí está o problema. A cada cinco ou dez anos, os eleitores cansam de um partido e escolhem o outro. Mas nada muda em suas vidas cotidianas. É sempre o mesmo sistema, falhando com um excesso atrás do outro, como um relógio.

Os números mostram que a popularidade de Sarkozy está caindo e que ele está atrás de Hollande na corrida presidencial. Quais foram os maiores erros do atual presidente?
Não devemos julgar os resultados desta eleição apressadamente. Mas uma coisa é certa: os últimos cinco anos não foram fáceis e o governo não alcançou a expectativa, principalmente por conta da crise. Desemprego em alta, decepção com a classe política, baixos índices de crescimento. Todos os índices são negativos, mas a culpa não é só da crise econômica. O grande erro é sempre o mesmo no nosso sistema político. É preciso evitar a divisão e optar pela união nacional.

O sr. lamenta a criação de novos laços entre a França e os EUA durante o governo Sarkozy?
Laços com os EUA são naturais, somos aliados e amigos. Mas eles não podem ser transformados em um alinhamento total de posições. Foi isso que levou à volta da França ao comando militar da Otan em 2008, algo que combati fortemente. Precisamos entender que estamos vivendo uma era diferente, na qual a multipolaridade irá substituir um mundo dividido em dois. Não devemos representar o Ocidente contra o resto do planeta. A Europa precisa ser forte e independente economicamente e em questões estratégicas.

Como era o seu relacionamento com o presidente Jacques Chirac? Quais foram as principais lições ensinadas por ele?
Jacques Chirac sempre teve uma forte e profunda compreensão do mundo. Ele entende o pano de fundo histórico das relações internacionais. Foi isso que nos aproximou, particularmente quando tivemos de defender a legitimidade da ONU durante a crise que levou à Guerra do Iraque.

Em 2003, quando o sr. era o ministro das relações exteriores, o governo francês realizou uma tentativa frustrada de resgatar Ingrid Betancourt das mãos das Farc, na Colômbia. O que deu errado?
É uma questão de princípio: a França nunca abandona seus cidadãos. Situações com reféns são sempre difíceis, já que tudo deve ser feito para atingir o resultado e garantir a segurança das vítimas. Foi o que tentamos fazer nesse caso, envolvendo os esforços de muitos países sul-americanos. O principal problema nessa operação foi a desinformação. Mas, no final das contas, esses esforços levaram ao resgate. A França é muita grata ao povo brasileiro e ao ex-presidente Lula pela sua participação.

O sr. se tornou uma figura política de peso depois de seu discurso na ONU contra a Guerra no Iraque, em 2003. O governo americano estava preparado para ouvir aquelas palavras?
Tínhamos de defender uma visão de mundo, a união das ações da comunidade internacional e a legitimidade de suas instituições, sobretudo o Conselho de Segurança da ONU. Tentamos travar um diálogo com todos os envolvidos. E a França não estava sozinha naquele esforço.

O que o sr. sentiu quando as tropas americanas deixaram o Iraque, em dezembro?
O fato era inevitável diante da situação. Agora temos de torcer pela não divisão do Iraque e devemos trabalhar para limitar o crescente controle do Irã sobre os iraquianos.

Os soldados franceses devem deixar o Afeganistão?
Sim, pagamos um preço muito alto nessa Guerra e nossa participação militar não se justifica mais. Assim como outros países, somos vistos como uma força de ocupação. Tenho feito esse apelo há anos. O atual governo dá sinais de que pretende fazer uma retirada gradual, já é um começo. Temos de ser responsáveis e nos envolvermos nesse processo ao mesmo tempo em que mantemos contato com os principais países da região, como China, Rússia e Irã. A estabilidade é responsabilidade de todos.

O presidente Sarkozy teve um papel importante durante a crise na Líbia, não?
Mais uma vez, a França foi capaz de se manter fiel aos seus princípios e ideais. O governo Sarkozy perdeu a oportunidade de assumir uma posição no início da Primavera Árabe, mas acabou liderando a ação internacional quando foi preciso proteger o povo líbio dos abusos criminosos de um regime tirânico. Mas não podemos acreditar que as chances de conflitos entre civis acabaram com a morte de Muammar Khadafi. Ainda há violência e o risco de uma cisão do país. Precisamos continuar vigilantes.

O sr. acredita que o fundamentalismo islâmico irá se espalhar pela região depois da Primavera Árabe?
Não é um tempo para previsões, e sim para a ação. O destino da Primavera Árabe está nas mãos dos egípcios, tunisianos e líbios, que agora tentam consolidar a liberdade pela qual lutaram no último ano. A situação é diferente em cada país porque cada um deles tem sua própria história. Também precisamos monitorar a situação financeira, econômica e social dessas nações e ajudá-las na medida do possível. Agora o problema se concentra na Síria e no Irã, onde o risco de conflitos nos próximos meses só aumenta.

Há saída para a crise financeira na Europa?
A solução será demorada, é como a recuperação de um enfermo. Mas não estou certo de que o pior da doença já ficou para trás. Uma febre já passou, mas a próxima pode chegar em breve. A espiral de austeridade pode levar a uma nova crise, país após país. O acordo de união fiscal trouxe algumas soluções importantes. Agora temos de achar o equilíbrio para o crescimento e o desenvolvimento econômico do continente.

Como o sr. avalia a liderança da chanceler alemã Angela Merkel na União Europeia (UE)? A França perdeu o protagonismo?
França e Alemanha dividem uma responsabilidade comum na construção da comunidade europeia. Formamos o coração da UE dos pontos de vista histórico, geográfico e econômico. Por isso temos de continuar juntos, com base na igualdade política. Esse princípio parece ter desaparecido nos últimos tempos. Temos de reafirmá-lo. Franceses e alemães têm de superar suas diferenças para falar em nome de toda a Europa. As diferentes partes do continente estão se distanciando cada vez mais.

Qual a sua opinião a respeito da atuação internacional do governo Dilma Rousseff?
A evolução do Brasil nas últimas décadas é impressionante. Os esforços do ex-presidente Lula e da presidenta Rousseff foram fundamentais para essas mudanças. Gostaria de salientar o papel brasileiro no cenário internacional como uma economia emergente, com identidade e cultura cada vez mais fortes. Também louvo a tentativa de criar laços com a comunidade internacional e a proposta de soluções para a crise mundial. O diálogo entre França e Brasil tem sido particularmente eficaz desde 2008, algo que acabou sendo essencial para a recuperação parcial da estabilidade financeira mundial.

Como anda o seu trabalho com poesia?
Uma vez que você começa, fica impossível parar. Para mim, escrever é como respirar, é o que me dá equilíbrio entre reflexão e ação. Estou feliz com a minha visita ao Brasil porque o País é uma ótima fonte de inspiração. Vocês estão dando um belíssimo exemplo para o mundo com ao reconciliar homem e natureza. Esse é um caminho fundamental para o futuro do planeta. Não é surpresa o fato de que tantos pintores, escritores, poetas e dançarinos surjam no Brasil. Um país que segue adiante é um país criativo. Por isso o Brasil exerce um papel tão particular na imaginação dos franceses e dos europeus.

Quais são as suas expectativas a respeito do Fórum Mundial de Sustentabilidade de Manaus?
Fiquei muito feliz ao ser convidado para fazer uma palestra no evento. Trata-se de um encontro importante, que é parte de um esforço coletivo para mobilizar a energia capaz de enfrentar os desafios do futuro, como a proteção das florestas, a manutenção da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. Neste momento, em que temos consciência dos problemas ambientais e assistimos ao fracasso dos encontros diplomáticos, devemos aproveitar cada oportunidade para discutir as soluções que levem a um futuro melhor.

O sr. também participará da Rio +20?
Ficaria muito feliz, mas ainda não tenho certeza. O encontro deve ser a oportunidade perfeita para cobrar ações da ONU a respeito dos problemas ambientais, além de servir de palco para o diálogo sobre o desenvolvimento sustentável.