O técnico da Seleção fala de política, sexoe das mágicas de Ronaldinho Gaúcho àsvésperas da convocação para a Copa

Carlos Alberto Parreira diz estar calmo. As quatro décadas de futebol, afirma, lhe ensinaram a controlar a ansiedade. Mas indagado a respeito dos dias que faltam para o primeiro jogo da Seleção Brasileira na Copa da Alemanha, diante da Croácia, ele responde em um milésimo de segundo, talvez menos: “51.” Parreira, silenciosamente, conta os dias. A partir de 15 de maio, com a convocação, ele se tornará o centro das atenções no país do futebol. Enquanto isso, divide seu tempo entre a família – o xodó é a netinha de pouco mais de um ano – e uma atividade que também o entusiasma: as palestras. Entre os dias 4 e 6 de maio ele participará do Congresso Brasileiro de Psicologia Esportiva, promovido pela Universidade São Judas, de São Paulo. O treinador falou com exclusividade a ISTOÉ. Acompanhe:

ISTOÉ – Quem dorme mais tranqüilo, o sr. ou o presidente Lula?
Carlos Alberto Parreira

Difícil para os dois, hein? O presidente é cobrado diariamente. Não dão colher de chá. É crítica aqui, é charge ali, é CPI. Mas no período da Copa, e já a partir de 15 de maio, com a convocação, serei mais cobrado que ele, tenho certeza. Vão esquecer um pouquinho o presidente.

ISTOÉ – Dá para dizer, então, que o futebol é o ópio do povo?
Carlos Alberto Parreira

Acho que o futebol ajuda muito, sim, no humor do País. Não temos guerra, não temos tragédias naturais nem atentados, então o futebol é que serve para unir o povo. Ele faz brotar o nacionalismo. Talvez apenas na campanha das Diretas-já tenhamos visto isso. Se ganharmos haverá euforia. Mas não resolve nada. Vencemos em 2002, mas a miséria continua a mesma, a fome continua a mesma, a violência não diminui. Nossos índices sociais ainda são ridículos e tristes. A Copa do Mundo não fará do Brasil um país melhor. Mas vai criar durante um mês, admito, um ambiente de euforia, e quero participar disso.

ISTOÉ – O sr. põe o presidente e o treinador da Seleção em patamar semelhante diante da opinião pública. Mesmo com a vitória em 1994, o sr. foi muito criticado, e agora tem nova chance. Lula merece outra chance também?
Carlos Alberto Parreira

O Lula é um fenômeno. Nessa crise toda pela qual o PT passou, ele manteve intocados os índices de popularidade. É um homem de valor e carisma impressionantes. O Lula ganhou em 2002 e o Brasil não afundou, ao contrário. A economia melhorou, o dólar se manteve, a inflação não aumenta. O governo dele tem sido bom. É difícil dar abrigo a 30 milhões de pessoas sem habitação, é
difícil resolver os problemas de educação e saúde, mas esses problemas não nasceram com o Lula.

ISTOÉ – O sr. acompanha a crise do mensalão?
Carlos Alberto Parreira

No início acompanhei, mas já não dá mais. Chega um ponto em que a gente cansa. São tantos nomes, tantos envolvimentos, tanta coisa.

ISTOÉ – Se o presidente pedisse ao sr. para convocar um jogador, ele seria atendido?
Carlos Alberto Parreira

Não. Mas isso o presidente não fará nunca. Assim como ele não deveria me atender se eu sugerisse o nome de um ministro. Isso nunca aconteceu, não adianta forçar a história.

ISTOÉ – Mas o Médici, em 1970, impôs o nome do Dário…
Carlos Alberto Parreira

É mentira, não houve essa interferência.

ISTOÉ – Falemos de jogadores atuais. O quinteto com Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo, Adriano, Robinho e Kaká é um sonho impossível?
Carlos Alberto Parreira

Em futebol tudo é possível. O Parreira pode? Pode sim. Para quem não tem compromisso, para quem não tem responsabilidade ou não toma decisão tudo é possível. Dá para botar o Dida de ponta-de-lança, o Ronaldo no gol… Pergunto: é coerente voltar ao telefone de manivela? Dá para levar ao ar aviões de turboélice na era do jato? O progresso é inexorável. Com o futebol é assim também. Ele evoluiu e se transformou, embora exista algo que dentro de campo jamais mudará.

ISTOÉ – O que é?
Carlos Alberto Parreira

O equilíbrio tático. Uma equipe, para ganhar, tem que saber defender e atacar. Por isso uso sempre uma definição do Sepp Herberger, treinador da Alemanha durante 29 anos, campeão de 1954. Ele escreveu um conceito visionário: o futebol moderno se caracteriza por atacar e defender com a máxima eficiência. Podem me acusar de ser repetitivo, mas nunca li ou ouvi nada melhor. É atual até hoje. Não adianta fazer um time apenas com os talentosos, é preciso ter o carregador de piano.

ISTOÉ – Se o quinteto é impossível, o quarteto com Ronaldinho, Ronaldo, Kaká e Adriano pode funcionar, porque pressupõe a entrada de um carregador de piano atrás…
Carlos Alberto Parreira

Já é uma ousadia. É quase um 4-2-4, esquema de jogo que funcionou no final dos anos 1950 e início dos 1960. É muito pouca gente para brigar pela bola no meio de campo. Há evoluções que se cristalizam, e não adianta trabalharmos contra elas. Não é por acaso que o 4-4-2 se mantém desde 1966. É o posicionamento mais eficiente porque distribui os jogadores de modo adequado pelo gramado. Você acha que daria certo uma equipe com dez Pelés? Com dez Garrinchas?

ISTOÉ – Não, mas é bonito pensar que sim…
Carlos Alberto Parreira

Mas não daria tampouco com dez Dungas. A beleza do futebol é esse equilíbrio, ter quem defenda para permitir o ataque.

ISTOÉ – O sr. diz que o quarteto é uma ousadia. Até onde ela vai?
Carlos Alberto Parreira

Enquanto funcionar, continuarei usando. Pela força dos talentos tive que conseguir um modo de pôr todos no time e os mantive porque deu certo. Só teve sobrevida porque deu resultado.

ISTOÉ – Em 1994, o Brasil foi campeão do mundo com um time fechado, tímido embora seguro. O sr. sente a necessidade de provar que pode dirigir uma equipe de futebol bonito?
Carlos Alberto Parreira

Na vida não se comparam épocas
ou momentos, ainda mais no esporte.

ISTOÉ – O futebol mudou muito de 1994 para 2006?
Carlos Alberto Parreira

Sim. A velocidade, a ocupação de espaços, a movimentação dos jogadores. Na Europa, hoje, ganha corpo aquilo
que chamamos de “transição”. É botar dez atrás da linha da bola e dez atacando,
na volta. No papo é muito fácil, mas fazer um time de futebol jogar assim o tempo todo é complicado.

ISTOÉ – Não há risco de frear as habilidades de cada um?
Carlos Alberto Parreira

Os esquemas táticos são importantes, mas no final, in a split of a second, assim mesmo é que dizem, em inglês, vem um craque como o Ronaldinho Gaúcho e quebra a defesa adversária. Outro dia ele fez isso contra o Milan, na Itália.

ISTOÉ – Na Seleção ele jogará solto e alegre como no Barcelona?
Carlos Alberto Parreira

Há uma bobagem repetida com muita freqüência: a de que o Ronaldinho é tolhido na Seleção. Isso é uma bobagem sem tamanho. Quero que ele jogue na Seleção muito mais do que joga no Barcelona. Mas não dá para comparar Seleção e clube. A maneira como os adversários encaram o Brasil é dura. Mas atenção: no Barcelona ele é o único solista. Na Seleção, não.

ISTOÉ – Como lidar com tantos solistas?
Carlos Alberto Parreira

É como uma orquestra. Tem o maestro, que comanda, e, se alguém quiser desafinar, não vai funcionar. Primeiro é preciso pensar no coletivo. Quem ganha campeonatos é a equipe. Quem ganha jogos são os atletas, em lances individuais como os do Ronaldinho Gaúcho, do Kaká, do Robinho, do Adriano… Sem trabalho de equipe, ninguém aparece. Em 1966, o Brasil tinha Garrincha, Jairzinho, Tostão e perdeu…

ISTOÉ – A má fase de jogadores como Ronaldo incomoda o sr.?
Carlos Alberto Parreira

Os jogadores não são convocados pelo desempenho em uma ou duas partidas. O Ronaldo nunca sai das manchetes… porque está namorando, está desfilando, está gordo, está magro, porque fez gol, porque não fez gol. É muita pressão. Mas ele é um jogador especial, de decisões.

ISTOÉ – Quais são os favoritos na Copa?
Carlos Alberto Parreira

Oito países podem ser campeões do mundo: Brasil, Argentina, Alemanha, Inglaterra, Itália, Holanda, França e Portugal. Há 14 países europeus que praticamente jogam em casa, a meia hora de vôo.

ISTOÉ – Pelé ou Maradona?
Carlos Alberto Parreira

Pelé. Só ele fez mais de 1.200 gols e ganhou três Copas do Mundo. Fui preparador físico do Pelé em 1970, sei o que estou dizendo. Era incomparável.

ISTOÉ – Romário ou Ronaldinho Gaúcho?
Carlos Alberto Parreira

Você não compara banana com manga. Um é tipicamente goleador, homem da área, o Romário. O outro é um artista da bola. O Romário sempre estará entre os maiores atacantes de todos os tempos. O Ronaldinho fará parte de qualquer lista dos mais habilidosos da história.

ISTOÉ – O sr. ainda fica fascinado com as invenções dele?
Carlos Alberto Parreira

Fico, fico. É o futebol no seu aspecto mais bonito esteticamente. Ele não faz aquilo tudo isolado, como se estivesse num circo. Faz dentro de um campo de futebol, com a marcação implacável. Essa é a beleza da coisa. Faz aquilo tudo com o adversário fungando no cangote dele. Aquele lance dos três chapéus consecutivos, que a tevê repete a toda hora… é incrível.

ISTOÉ – Saiamos um pouco do futebol. Afinal de contas, os jogadores poderão fazer sexo durante a Copa?
Carlos Alberto Parreira

Sexo nunca foi e nunca será proibido.
O que não pode é fazer sexo dentro da concentração ou sexo pela manhã para jogar à tarde. Fizeram muito barulho ao redor deste tema, mas é o tipo de pergunta que não tem escapatória. Se eu dissesse sim, está liberado, evidentemente seria acusado de irresponsável por quem entende de esporte de alta competição. Se proibisse, mandariam me internar, e com razão. Como proibir sexo em pleno século XXI?

ISTOÉ – Já que estamos no século XXI… Se o sr. um dia descobrisse um jogador homossexual na Seleção, o que faria?
Carlos Alberto Parreira

Eu até entendo essas preferências. Não sou contra o homossexualismo, mas não aprovo o casamento homossexual, porque fui formado de uma maneira tradicional e conservadora. Família é homem e mulher. Duas mulheres se casando, dois homens se casando é coisa que me agride até hoje, embora entenda que vivam juntos. Fala-se muito em homossexualismo no futebol, mas pessoalmente nunca vi.

ISTOÉ – Mas o sr. tiraria um jogador do time por ele ser homossexual?
Carlos Alberto Parreira

Não, não tiraria… mas, veja bem, acho que ele nem seria convocado para uma Seleção Brasileira. Mas é situação inédita para mim, então é difícil dizer como reagiria. É assunto difícil de lidar. Seria uma novidade, e por ser novidade é complicado. Não dá para pensar em hipótese.