Os fãs de Tim Maia sempre peregrinaram pelos sebos musicais em busca de seu disco mais raro: Tim Maia racional, de 1975. Agora a peregrinação acabou. Está nas lojas a versão remasterizada desse álbum, cujas canções foram feitas sob a forte influência da seita
Universo em Desencanto, da qual o cantor foi naquela época um fiel seguidor. A expectativa de que o disco fosse relançado é explicável: mais do que divulgar os fundamentos da crença criada pelo líder espiritual Manoel Jacinto Coelho, o “grão-mestre varonil”, Tim Maia racional é composto por excelentes músicas e influenciou toda uma geração de artistas ao injetar na MPB elementos do funk, do soul e do gospel. Com o passar do tempo, o disco virou uma raridade porque o próprio Tim mandou retirá-lo do mercado quando se desencantou com a Universo em Desencanto – uma mixórdia mística que pregava a opção pela pindaíba, mas ganhava dinheiro com seus crentes. Tim Maia rompeu com ela quando percebeu que, graças às suas canções, a venda dos livros sobre a seita aumentava e engordava a conta bancária de seus líderes. “Como era louco, mas não era burro, Tim saiu, ao seu estilo, quebrando tudo e esculhambando o ex-guru”, diz o produtor musical e compositor Nelson Motta, que está escrevendo a biografia do cantor. Essa fase teve, no entanto, um saldo em sua vida. “Ele estava fumando, cheirando, bebendo e picando todas. Brigava com meio mundo e estava sem gravadora e sem dinheiro. Ao abraçar a Universo em Desencanto, produziu dois discos sensacionais”, diz Motta.

Não foi somente o “síndico” (apelido que Tim ganhou de Jorge Benjor) que entrou de cabeça na seita – uma mistura de umbanda com gente que se achava extraterrestre e prometia a salvação através da “imunização racional”. Todos os integrantes de sua banda, vestidos de branco nos shows, embarcaram nessa viagem. “Paramos com as drogas e todos os dias fazíamos reuniões para ler o orelhudo, que era como Tim chamava o livro de ensinamentos”, diz o músico Serginho Trombone. O músico acompanhou o dia em que Tim decidiu se livrar
dos bens materiais, doando todos os objetos de seu apartamento no bairro carioca de Copacabana. Na leva de doações foram até os brinquedos dos filhos. “A única coisa que o papai deixou foi o meu violãozinho. Quando olho minhas fotos de bebê, sempre estou com roupinhas brancas”, diz o cantor Léo Maia, um dos três filhos do artista.

Se as músicas de Tim Maia racional foram compostas para ser hinos religiosos, é certo que se prestam também ao mundo profano. De todas elas, a mais difundida é Imunização racional (Que beleza): “Que beleza é sentir a natureza/ ter certeza pra onde vai e de onde vem.” Marisa Monte, Gal Costa, Sandra de Sá e Toni Garrido já a incluíram em seus shows. A canção O caminho do bem fez parte
da trilha do premiadíssimo filme Cidade de Deus. E em festinhas de faculdade que se preze não pode faltar o hit Guiné Bissau Moçambique e Angola racional, em que Tim brada com seu vozeirão: Numa relax/numa tranqüila/numa boa. “Na verdade, as bases de Tim Maia racional eram parte de outro disco que estava para ser lançado. Mas, no meio do caminho, ele entrou para a seita, mandou tirar todas as vozes das canções originais e colocou as letras louvando a Universo em Desencanto”, diz João Marcello Bôscoli, presidente da Trama, selo responsável pelo relançamento do disco. Ele faz parte do time de fãs que percorreram os sebos em busca do vinil: “Encontrei, comprei, mas pesou no bolso. Cobram de R$ 500 a R$ 800.” Uma das provas da raridade do álbum é que, até recentemente, nem Léo Maia, herdeiro de Tim, possuía um exemplar legítimo em sua discoteca. “Eu ouvia um piratinha, até que uma fã do meu pai me presenteou com o vinil num show em Brasília”, diz ele. “Desde então, sempre que canto Imunização racional agradeço a essa senhora. Grande dona Vera!”