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FAMOSOS E ANÔNIMOS
A conhecida foto “Beijo no Hôtel de Ville”

Não existe esquina, café ou bistrô de Paris que não deem a sensação de já terem sido algum dia fotografados ou se tornado alvo de pôster ou cartão-postal. As imagens que o fotógrafo francês Robert Doisneau fez da cidade, no entanto, fogem de qualquer clichê visual: são momentos únicos que parecem ter sido colhidos no exato instante em que são vistos. No centenário do artista cuja comemoração acontece no dia 14 de abril, o Brasil tem o privilégio de ser o primeiro país, junto com a Bélgica, a receber uma exposição de suas obras fora da França. Em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro, a mostra “Simplesmente Doisneau” reúne 152 fotos numa esplêndida seleção de seu trabalho. Pode ser admirada a célebre imagem do casal se beijando diante da Prefeitura de Paris, o Hôtel de Ville, retrato que se tornou o símbolo do romantismo relacionado à capital francesa e a síntese de um tempo nascido dos escombros da Segunda Guerra Mundial. “A exposição traz o coração de uma época, um período em que Paris era considerada a capital do mundo e o destino dos artistas”, diz Yann Lorvo, diretor-geral da Aliança Francesa no Brasil e responsável pela organização do evento.

Nascido no interior da França, Doisneau foi para Paris ainda criança e na juventude se integrou a esse ambiente boêmio e vanguardista que atraiu nomes como os de Amedeo Modigliani e Pablo Picasso – o famoso retrato que mais tarde faria dele está na exposição. Apesar de ter estudado gravura, Doisneau logo optou pela fotografia, animado com o horizonte aberto do nascente fotojornalismo. Influenciado pelo trabalho de Henri Cartier-Bresson, Eugène Atget e André Kertész, criou um estilo pessoal ao documentar pessoas comuns de Paris e de seus subúrbios.

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O retrato de Pablo Picasso (topo) e três temas prediletos de
Doisneau: a família (abaixo), a vida boêmia e as crianças

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O diferencial de seu olhar era se voltar para os momentos mais espontâneos do cotidiano e não se importar com a distinção de classes sociais. Essa percepção foi o que norteou a seleção de obras feita pela curadora Agnès de Gouvion Saint-Cyr, que foi amiga do fotógrafo e chama a atenção para a sua preocupação com o que hoje se denomina inclusão social. “Ele fazia ­questão de dar espaço a essas pessoas esquecidas.”

Agnès de Gouvion dividiu o conjunto de imagens em 12 segmentos centrados, por exemplo, em famílias, pessoas tatuadas e trabalhadores (no início da carreira, Doisneau foi contratado pela fábrica de automóveis Renault para cuidar de seu material publicitário). Orfão aos 7 anos, o fotógrafo foi criado por uma tia e, quando adulto, sempre gostou de retratar crianças. “Esse segmento da mostra tem um caráter de trabalho antropológico”, diz Lorvo. Outra figura parisiense por excelência, o clochard (mendigo) também foi alvo de seu olhar. São figuras que permaneceram anônimas, ao contrário de seus retratados mais célebres como o casal Françoise Bornet e Jacques Carteaud. Os dois passavam diante da Prefeitura de Paris quando foram flagrados por Doisneau, que buscava uma imagem de impacto para a revista americana “Life”. A pose apaixonada correu o mundo e os tornou conhecidos. Em 2005, Françoise, então com 75 anos, levou a leilão um dos originais da ­foto, arrematado por um colecionador suíço por 155 mil euros. É um dos beijos mais caros do mundo.