Há pouco mais de um mês, o ator Fábio Assunção, 37 anos, começou a retomar sua vida. Desde o final de abril, quando retornou para o seu apartamento no bairro dos Jardins, em São Paulo, ele cuida do corpo, da mente e se prepara para voltar ao trabalho. Durante as tardes, segue as orientações do personal trainer, Alessandro Melo, para recuperar a forma física e anda de bicicleta. Intercala as sessões de ginástica com as de terapia duas vezes por semana. Para relaxar, lê (muito) e toca piano. O filho, João, de 6 anos, e a namorada, Karina Tavares, de 28, são presenças certas no seu dia a dia.

"O Fábio está bem e estou muito feliz por ele", disse à ISTOÉ seu pai, Ivo Pinto, que mora com a mãe do ator, Suely, na cidade de Socorro, a 140 quilômetros da capital paulista. "Nos falamos sempre pelo telefone e ele está tranquilo", diz ele. É um alento saber que o filho está tentando superar a dependência das drogas após duas internações para tratar o vício em clínicas especializadas.

A carreira é uma prioridade para o ator, um dos galãs do primeiro time da Globo, e que deixou no ano passado a novela "Negócio da China" para se internar. Fábio pretende montar uma peça de teatro e estuda três roteiros cinematográficos. Prepara-se ainda para o lançamento dos filmes "Bellini e o Demônio", de Marcelo Galvão e Theodoro Fontes, com estreia prevista para o segundo semestre, e "Do Começo ao Fim", de Aluízio Abranches, que será lançado em agosto. O ator também tem conversado com a Rede Globo sobre um papel em uma minissérie e analisa o convite de Marina Person para o papel de um gay soropositivo no longa-metragem "A Vida não é Filme", ainda em fase de préprodução. "O Fábio é um excelente ator e uma pessoa maravilhosa. Torço muito por ele", diz a diretora.

"O Fábio está bem, tranquilo e estou muito feliz por ele"
Ivo Pinto, pai do ator, que mora em Socorro (SP)

Esta é a primeira etapa – e a mais importante – do longo processo na luta contra o vício: a reinserção social. "Ele não é um mártir da recuperação das drogas. Sabe que a dependência não tem cura, é uma luta diária", afirma uma amiga. Em novembro do ano passado, Fábio se internou voluntariamente na Clínica Greenwood, em Itapecerica da Serra, (a mesma em que esteve o exjogador Walter Casagrande Júnior), na Grande São Paulo. A internação na clínica de 8.750 m2, considerada uma referência na América Latina, foi solicitada pelo psiquiatra Ricardo Pupo Nogueira, médico do ator que tratou de outros amigos e familiares dele. Fábio foi submetido a um extenso trabalho de reabilitação durante quatro meses. Nos três primeiros, ficou isolado de qualquer contato com a família. "Os pacientes chegam aqui quando não conseguem mais produzir", afirma Fernanda Lima, psicóloga da clínica, que acompanhou de perto o tratamento do ator. "Não se libertam das drogas até que sintam a angústia e a percepção das perdas", diz.

O ator faz ginástica, terapia e estuda três roteiros de cinema depois de sair da clínica para dependentes sem alta, mas com o apoio de seu psiquiatra

 

A rotina era rígida e começava cedo. O café da manhã era às 7h, em seguida fazia 45 minutos de ginástica e, às 8h30, havia as discussões nos grupos de apoio. Um dos temas é a desmistificação dos "amigos da droga". "É quando mostramos a importância do paciente se afastar de todos aqueles que o estimulam a se drogar ou compartilham do vício", explica a psicóloga, para quem o meio em que se vive é decisivo na recuperação do dependente. À tarde, ocorrem as atividades artísticas e, às 22h soa o toque de recolher. A clínica, com espaço para 40 pacientes e apenas três quartos individuais, um dos quais foi ocupado por Fábio, tem estrutura muito simples. Embora tenha uma linda piscina no jardim, a aposta está no tratamento rigoroso, não no luxo.

Algumas tarefas são obrigatórias, como lavar a própria roupa, cuidar da horta comunitária – que produzirá os alimentos para todos na casa -, arrumar a cama, varrer a casa e limpar o canil e a piscina. Quem não cumpre todas as tarefas, pode perder o direito a benefícios como telefonemas ou visitas de parentes. Quem sai realmente da linha vai para o Centro de Observação Intensiva (COI), um espaço de 25 m2, vigiado em tempo integral. O quarto tem apenas um tapume e uma lâmpada embutida.

DIA A DIA O ator e sua namorada, Karina Tavares (ao lado). E a clínica onde ficou internado por quatro meses (à esq. e abaixo)

No quarto mês de internação de Fábio, o psiquiatra Ricardo Pupo decidiu transferi-lo para o Instituto Bairral, centro de tratamento de dependentes químicos na cidade de Itapira (SP). A Greenwood não concordou com a saída do ator. "Houve um conflito no estilo da clínica com a minha linha de tratamento", afirma Pupo. "Eu, o Fábio e a família nos reunimos e optamos pela transferência." Segundo o psiquiatra, a Bairral foi escolhida por ser menos rígida e levar em consideração o perfil do paciente.

A internação na nova clínica durou um mês e Fábio recebeu alta no dia 24 de abril. "Ele não interrompeu o tratamento, apenas a internação não é mais necessária. O Fábio não fez nada contra a minha orientação", garante Pupo.

A direção da Greenwood discorda do diagnóstico do psiquiatra. "Ele ainda apresentava um quadro de risco para si mesmo, impulsividade e um vínculo muito forte com a droga. Não concedemos a alta", afirma Pablo Roig, diretor da clínica. Segundo Roig, o paciente só está pronto para a reinserção na sociedade quando consegue estabelecer na própria mente uma relação definida de causa e efeito do uso de entorpecentes. "Para ser liberado, é fundamental que o dependente tenha limites e reconheça as consequências do vício. Fábio ainda precisava de um tempo maior", diz ele.

Discreta e introspectiva, Suely frequenta todas as semanas a "casa da amizade", um grupo do Rotary Club na cidade de Socorro, voltado para ações humanitárias. Lá, ela faz trabalhos de artesanato e organiza bazares para ajudar crianças carentes. "Para ela é muito importante ter uma atividade", afirma Amélia Padilha, amiga e parceira das ações de caridade. Suely evita comentários em relação ao filho, mesmo com as pessoas mais próximas. "Ele está procurando ajuda e ela está feliz por isso", diz Amélia.

Fábio nasceu e cresceu na Vila Mariana, bairro de classe média de São Paulo. Trabalhou dos 7 aos 13 anos na banca de revista de seu pai, que era funcionário do banco Itaú. Foi lá que, folheando um jornal, deparou-se com um anúncio de testes de atores para uma peça de teatro. Estava selado seu destino. Fábio decidiu que seria ator e, aos 18 anos, se matriculou no curso de teatro da Fundação das Artes, em São Caetano do Sul. Nesta mesma escola, passaram outros profissionais bemsucedidos como o diretor teatral Ulisses Cruz e os atores Marcos Frota, Cássia Kiss e André Segatti.

"O que mais me chamava a atenção no Fábio era a capacidade de ousar", lembra Lídia Zózima, sua professora no curso.

NA INFÂNCIA Banca de jornal onde Fábio trabalhou

Ela ficou chocada – e maravilhada – durante uma tarefa do laboratório teatral em que Fábio se destacou dos colegas. Os alunos tinham 24 horas para criar um personagem pássaro. No dia seguinte, eles apresentaram o esperado, ou seja, atuações com os trejeitos característicos do animal. Fábio desapareceu por alguns instantes. De repente, a turma foi surpreendida com os sons de uma águia no pátio da escola. O garoto magro de belos olhos azuis estava pendurado no topo do portão, com 80 velas acesas entre as grades. "Foi lindo e inesquecível. Apesar do risco da queda, sucumbi à beleza daquela águia cercada de luzes", conta Lídia.

Para construir os personagens que interpretaria, Fábio costumava ir sozinho, à noite, para a estação de trem de São Caetano, na linha Rio Grande da Serra-Luz, e seguia no percurso mais perigoso e fértil para qualquer ator. Era onde ele observava o comportamento dos mendigos, vendedores ambulantes, bandidos, travestis, gangues de rua e drogados. "Era a sua inspiração real para criar os papéis que representava", conta a professora. Ela recorda com carinho do ex-aluno, que a auxiliou durante a recuperação de um câncer, quando ainda estava no curso. "Quando fiquei doente, o Fábio me ajudou com uma boa quantia para passar um tempo na Índia. Jamais esquecerei aquele ato de carinho", diz. Assim como apoiou sua antiga professora, ele precisa ajudar a si mesmo a superar o passado e, assim, escrever um novo capítulo de sua história.

Colaborou Joice Tavares