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TRAGÉDIA
Gabriella morreu ao cair de uma altura de 25 metros. O parque foi interditado por dez dias

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O cenário da trágica morte da jovem Gabriella Nichimura, 14 anos, que caiu de uma altura de 25 metros de um brinquedo no Hopi Hari, o maior parque de diversões da América Latina, já estava montado há muito tempo. Quatro dias antes da morte da adolescente, em pleno feriado de Carnaval, a reportagem de ISTOÉ constatou que dez dos 58 brinquedos não estavam funcionando – por defeito ou manutenção. No início de fevereiro, quem agendava uma festa de aniversário no parque também não ficava sabendo que uma dezena de atrações estava fora de operação. A roda-gigante, segundo pessoas que trabalham no local, não funciona há meses. Esses são apenas os fatos mais recentes e que mostram o descaso do parque com o quesito segurança.

Gabriella foi lançada ao ar justamente por ocupar uma cadeira defeituosa. E o mais alarmante: a direção do parque tinha pleno conhecimento disso. A adolescente usou um assento que estava inoperante havia dez anos. Ou seja, há uma década pelo menos o brinquedo vem funcionando sem que haja plenas condições de uso. Os problemas dele, porém, eram muito maiores, como se viu. “A menina entrou em uma verdadeira arma, em um brinquedo fatal”, diz Rogério Sanchez, promotor que atua no caso. Há uma sucessão de erros grosseiros, evidências de descaso e irresponsabilidade que precisam ser punidos. Afinal, ao manter sem nenhum aviso uma cadeira defeituosa num brinquedo potencialmente mortal, o Hopi Hari assumiu claramente o risco de matar alguém, como terminou ocorrendo. Na última semana, ISTOÉ perguntou à assessoria do parque reiteradas vezes quanto era gasto em manutenção, mas não obteve resposta. O Hopi Hari dizia apenas que estava colaborando com a investigação da polícia. Os fatos, no entanto, não só demonstram a falta de investimentos em manutenção como evidenciam que a aclamada colaboração não passou de conversa fiada.

Na segunda-feira 27, técnicos do parque acompanharam uma perícia da polícia. Em nenhum momento disseram que os peritos estavam olhando a cadeira errada. Foi preciso que a família da jovem apresentasse uma foto comprovando que o assento analisado pelos peritos não era o usado por Gabriella para que as investigações tomassem o rumo correto. Feita nova perícia, constatou-se que o travamento da cadeira abria durante a descida – isso projetou o corpo da menina para a frente. Além disso, o assento não contava com um cinto de segurança, como os demais.

O Hopi Hari foi inaugurado em 1999 com a pretensão de ser uma espécie de Disney brasileira. A inexistência de fiscalização efetiva e a falta de mão de obra qualificada para operar os brinquedos que oferecem risco estão na raiz do problema, e são terreno fértil para a negligência e a imprudência prosperarem, como se desenha neste caso. À polícia, o funcionário Vitor Igor Espinucci de Oliveira, 24 anos, disse ter checado as travas do La Tour Eiffel 15 minutos antes. Ele disse que avisou um superior do problema na cadeira, como já fizera outras vezes, mas não recebeu orientações sobre o que fazer. “Os operadores não têm autonomia para decidir”, diz Bichir Ale Júnior, advogado dele. “Meu cliente identificou um problema na trava, mas a garota estava fora do campo de visão dele. Ele avisou (a chefia) e foi informado de que a manutenção estava a caminho.” Ele e o operador Marcos Antônio Tomás Leal, 18 anos, disseram não ter visto Gabriella se sentar e informaram que essa responsabilidade era de outro funcionário, ainda não identificado. Estranhamente, oito das 20 cadeiras do brinquedo não estavam em operação naquela manhã.

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DOR
O Casal Nichimura: indignação com o fato de o parque ter aberto no dia do enterro

A falha que resultou na morte de Gabriella foi grosseira. Em depoimento, o gerente-geral do Hopi Hari, o suíço Stefan Fridolin Banholzer, disse que a bobina que alimenta o sistema de travamento daquela cadeira foi retirada, de modo que a trava era sempre mantida abaixada. As suspeitas são de que algum funcionário do parque tenha acionado a tal trava de segurança, permitindo que aquele assento fosse utilizado. “Além de negligência, foi imprudência não haver um aviso de interdição”, diz o delegado Álvaro Santucci Noventa Júnior, para quem houve dolo enventual, ou seja, quando se corre o risco de matar. Apenas na quinta-feira 1º, uma semana depois, alguém falou pelo parque: “Pode ter havido um erro crasso”, admitiu Alberto Toron, advogado do Hopi Hari. Com tanta insegurança para todos os frequentadores, o parque foi interditado por dez dias. Na segunda-feira 5, uma força-tarefa irá analisar todos os brinquedos, os procedimentos de segurança e o treinamento da equipe.

Diante da tragédia, o mínimo que se esperava, até por respeito à dor da família, é que o Hopi Hari não abrisse no dia seguinte. Mas, enquanto a jovem era enterrada em Guarulhos (SP), o parque abria as portas prometendo um sábado de alegria e diversão, como se uma tragédia não tivesse acontecido no dia anterior. A alegação? Respeito aos visitantes. Mas que respeito nutre o parque por seus clientes quando cobra R$ 79 de ingresso e não os avisa que quase 20% das atrações não funcionam? “Minha vontade seria fechá-lo definitivamente. Não só pela minha filha; falo pela população. Hoje foi minha filha, amanhã poderia ser qualquer pessoa”, disse Silmara Nichimura, que mora com a família há 19 anos no Japão, e vai pedir R$ 3 milhões de indenização. Evidências de que mais cadeiras do brinquedo oferecem riscos não param de surgir. Quatro dias antes do acidente, Rogério Luís Américo fez fotos do filho de 14 anos num assento cujo mosquetão de metal, que prende o cinto à trava de segurança do encosto, estava sem a mola de fechamento.

A certeza da impunidade certamente contribui para que parques assim continuem a operar no País. Não é o primeiro caso de morte no Hopi Hari. Em 2007, o estudante Arthur Wolf, 15 anos, morreu após sentir-se mal no brinquedo Labirinto, que espalhava uma fumaça cenográfica. Após um ano e meio de investigações, o inquérito da Polícia Civil terminou por não apontar culpados. O menino sofreu um edema pulmonar por provável reação de hipersensibilidade, de acordo com o Instituto Médico Legal. O caso não trouxe maiores danos à imagem do parque, mas agora deve ser diferente. A morte de Gabriella pode trazer consequências negativas irreversíveis para a marca Hopi Hari. “O acidente pode afugentar os pais que querem levar seus filhos a um divertimento seguro”, afirma Marcos Hiller, coordenador do MBA em gestão de marcas da Trevisan Escola de Negócios. “O que ocorreu vai afetar o número de visitantes no parque, que tem altíssimos custos fixos e precisa de um imenso movimento para manter sua viabilidade.”

O Hopi Hari tem uma história repleta de percalços desde a sua fundação e está longe de alcançar o êxito esperado para um parque do seu porte. Os investimentos para sua criação chegaram a R$ 700 milhões, em números atualizados. Inicialmente pertencia ao grupo PlayCenter, dono de um parque na capital paulista. Quando a obra ainda estava em andamento, o parque foi repassado para a gestora de fundos GP Investimentos, que contou com dinheiro de quatro fundos de pensão de empresas estatais: Previ, Funcef, Petros e Sistel.

O parque também recebeu R$ 40 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ­(BNDES). Assim como outras dívidas, esta também teve que ser renegociada em 2001. Os executivos do banco público apontaram diversos erros no projeto, como importação sem critério da tecnologia dos parques temáticos americanos, falta de adequação aos hábitos culturais do brasileiro, além da construção a um custo elevado sem a devida sinergia com a região onde ele foi instalado. Ou seja, ao seu redor, não há um complexo de restaurantes, hotéis e outras atrações para entreter o visitante por alguns dias. “O modelo de negócios do Hopi Hari é repleto de erros desde o começo”, disse à ISTOÉ um investidor do setor de parques de diversão no Brasil. “Construiu-se um parque de destino (voltado para turistas que querem se instalar no local da atração) que depende de um público maior que o regional. Como não conseguiu isso, ele não dará um retorno de capital necessário para se manter”, completa.

Em abril de 2009, a GP e os fundos de pensão conseguiram se livrar do parque. A empresa HH II PT S.A. – formada por sócios da consultoria especializada em reestruturação de empresas Íntegra Associados – comprou a atração deficitária pelo valor simbólico de R$ 53,18. Antes conseguiu renegociar a dívida de R$ 800 milhões. ISTOÉ apurou que, um ano antes, o Hopi Hari chegou a ser oferecido “de graça” a um grupo de investidores. Sem sucesso. Como ficou claro neste caso, para voltar a funcionar, ele precisa muito mais do que uma reestruturação financeira.  

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