Quando, há anos atrás, o rabino Henry Sobel, símbolo da luta democrática contra a ditadura militar e ícone da comunidade judaica brasileira, foi matéria de jornais e revistas por conta de um suposto furto de gravatas nos Estados Unidos, todos, inclusive este escriba chulo que ora vos escreve, ficaram de queixo caído. “Só pode ser brincadeira, piada”; “Isso é boato plantado por algum desafeto”, “Mentira!” – todos repetiram.

Por alguns dias depois, o assunto ricocheteou por sites, conversas de bar e periódicos até cair no esquecimento. Justificativas várias surgiram: “Ele é cleptomaníaco, coitado!…”; “Está tomando um remédio que o deixa atordoado, fora de si…” Jamais alguém considerou, pelo lastro de homem público e a aura de líder religioso atuante, que ele poderia ter roubado as gravatas de caso pensado, deliberadamente. E agora, esquecido o caso, concluo que jamais saberemos. Como jamais saberemos de muita coisa.

Não estou querendo suscitar teorias conspiratórias, embora ache que a conversa no boteco fique boa e divertida quando vêm à tona papos do tipo: “O homem jamais foi à lua. Como poderia ter ido à lua em 1969 e depois nunca mais, agora que as pesquisas espaciais evoluíram tanto?”; ou: “Aquele filme do homem pisando na lua foi feito em estúdio por Stanley Kubrick, é forjado!…” É comum também ouvirmos isto: “A Seleção Brasileira de 98 se vendeu para a França, por isso entregaram o ouro, todos ganharam uma bolada. Aquele chilique de Ronaldo foi só caô, ele não teve nada.” Ou ainda “JK foi assassinado” ou “Todos sabem quem matou Kennedy, Lee Harvey Oswald era só um bode expiatório”. Fatos ou boatos, são histórias que instigam a massa cinzenta, o pendor à fantasia e mesmo a reflexão sobre temas importantes que vão ficando no terreno das chamadas “lendas urbanas”.

Sim, você já vai saber aonde quero chegar, a um enunciado filosófico rastaquera, porém fatal: “Ninguém (ou nada) é o que parece ser publicamente.” Nem o padre dedicado, nem o militante humanista, nem o artista sensível, nem o apresentador de tevê com seus gestos filantrópicos, nem o âncora do telejornal sério e quase sisudo, nem o ministro com sua fala loquaz, nem o jogador de futebol desarticulado, mas aparentemente sincero, nem o articulista da revista implacável em suas convicções, ninguém é o que parece ser. Todos têm segredos, todos têm desejos e faltas que nos tornam irmanados, os mortais. Todos somos atores, é nossa defesa natural, pela impossibilidade de expormos nossas vísceras e fraquezas e temores e falhas e preconceitos e pequenezas e certezas inabaláveis, mas perigosas aos olhos do mundo (embora vez por outra alguém extravase, transborde, por não caber em si).

Nesta era ultracapitalista, então, os atores estão ficando cada vez mais sofisticados, as máscaras mais duras e inquebráveis. Afinal, o dinheiro sempre foi uma finalidade bastante vantajosa e estimulante, e o dinheiro, hoje, é a nova religião do mundo, o motor da civilização. Até pessoas do povo, outrora coadjuvantes em programas de tevê, “escadas” para protagonistas carismáticos e lacrimosos, agora mostram-se tão à vontade na frente das câmeras, tão sem-cerimônia ao narrar suas misérias, quando choram pela casa arrastada na enchente ou quando lamentam pelo filho morto na chacina na periferia; quando reivindicam a reforma da casa caindo aos pedaços ou quando reclamam do esgoto a céu aberto que causa mau cheiro no bairro… Todos treinados, como que saídos de um Actors Studio, de uma Escola Wolf Maya, convincentes e “viscerais”. Pudera, não lhes resta outra coisa senão capitalizar a desgraça.

Mesmo sabendo que posso parecer amargo (não me importa, sou um ator!), deixo ao pé desta página um conselho, perigoso, mas inevitável. Senhoras e senhores, desconfiem, desconfiem sempre. O herói de hoje pode se revelar um gângster amanhã.

Zeca Baleiro é cantor e compositor