O desmanche moral do Congresso está longe de chegar ao fim. O empenho dos senhores deputados e senadores em produzir novos meios de ferir a ética, cometer espertezas e promover irregularidades está fazendo jorrar ainda mais lama sobre a instituição – e, claro, sobre eles próprios. Do uso irregular e excessivo das verbas de combustível à ocupação ilegal de apartamentos funcionais, golpes de todos os tamanhos estão sendo aplicados à instituição. Nesse cardápio, não falta nem mesmo a prática de contratar funcionários-fantasmas para ficar com a verba correspondente aos vencimentos. É o caso do deputado gaúcho Pompeo de Mattos, do PDT, que até pouco tempo atrás era um aguerrido integrante da CPI dos Correios. O pedetista é peça central de uma história que está sob sigilo nas mãos do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. ISTOÉ teve acesso com exclusividade aos documentos que embasam a denúncia.

Os papéis foram entregues ao Ministério Público por dois ex-assessores do pedetista, Álvaro Luiz Viana e Raquel Ferreira de Souza. De 2000 a 2001, Raquel constou da folha de pagamento da Câmara como secretária parlamentar. Só que o salário que recebia entrava em sua conta e logo era repassado para o deputado Pompeo. Entrava como depósito direto na conta de Marinês Veiga de Mattos, ex-cunhada de Pompeo e sua chefe de gabinete em Brasília. Em setembro de 2001, por exemplo, Raquel recebeu R$ 1.881,80. O pagamento foi feito no dia 24. Na mesma data, R$ 1.862 foram repassados para a conta de Marinês, na agência da Caixa Econômica Federal de dentro do Congresso. E assim funcionava, mês a mês. Oito contracheques e oito comprovantes de depósitos revelam a freqüência da prática. “Eu não ficava com nada”, diz Raquel, convidada para o emprego-fantasma pelo próprio deputado. Álvaro, marido dela, já trabalhava antes com Pompeo. Ele reafirma a denúncia e conta que também tinha de dar um “mensalinho” ao deputado. “Com o dinheiro, ele me mandava pagar contas, comprar roupas e até coisas para casa”, denuncia. Pompeo nega tudo. Sobre o salário que Raquel tinha de devolver, disse que era uma exigência da Câmara. “Detectaram irregularidades na contratação e mandaram que o dinheiro fosse restituído”, explicou. Só que o Departamento de Pessoal da Câmara, procurado por ISTOÉ, nega que tenha cobrado – e recebido – o salário de volta.

Na denúncia ao MP, os ex-assessores entregaram, ainda, mais de 20 notas fiscais em branco que, segundo eles, Pompeo usava para justificar gastos da chamada verba indenizatória. Trata-se da ajuda de custo de R$ 15 mil mensais que a Câmara deixa à disposição de cada um dos 513 deputados para o custeio de despesas com combustível, aluguel e escritórios políticos nos Estados. O dinheiro tem sido usado como complemento da renda dos parlamentares.

Há mais. ISTOÉ teve acesso a uma investigação do Senado que revela a existência de uma verdadeira quadrilha que se apossou do sistema de telefonia da instituição. Nesse caso, a corrupção está entre os funcionários. O prejuízo levantado até agora chega a R$ 575 mil. São mais de 150 envolvidos. O esquema é simples. No ano passado, a operadora de telefonia Brasil Telecom lançou um plano, batizado de
pula-pula, pelo qual os clientes da empresa ganham créditos para falar de graça cada vez que recebem uma ligação. Quanto mais telefonemas recebidos, mais bônus. Funcionários do Senado, então, começaram a usar os telefones dos gabinetes para inflar suas reservas de créditos. A administração do Senado já descobriu que as ligações fraudulentas foram disparadas de gabinetes de 40 dos
81 senadores. Mas, até agora, só um, Tião Viana (PT-AC), tomou providências. Alertado, o petista apertou sua turma. A secretária Daniele Horta confessou. Um contínuo também. Os dois foram demitidos. Só a secretária deu um prejuízo de
R$ 3,2 mil, o dobro do salário que ganhava. Ela admitiu a fraude, mas tentou justificar: “Outras pessoas ligavam do meu ramal.” Entre os demais senadores com funcionários sob suspeita estão José Sarney (PMDB-AP), Efraim Morais (PFL-PB), Amir Lando (PMDB-RO) e Arthur Virgílio (PSDB-AM). “Mandei identificar e
demitir quem estiver nisso”, avisou Virgílio. “Se for gente daqui do gabinete
será punida rigorosamente”, prometeu Lando. Em Brasília já existe um mercado paralelo destinado a vender celulares com créditos roubados. O segurança de boate Flávio Costa conta que comprou por R$ 300 um aparelho turbinado com R$ 2 mil em créditos acumulados graças às ligações disparadas do Senado. “Comprei depois de ver um anúncio no jornal”, disse.

Outro festival de desmandos está na administração dos imóveis de propriedade do Parlamento. A Câmara possui 432 apartamentos funcionais destinados a abrigar parlamentares. Hoje, apenas 214 estão ocupados. Mas alguns deles por moradores que nem deputados são mais. Caso do ex-deputado Rogério Silva (PPS-MT). Cassado em 2004 por compra de votos, ele acaba de completar 800 dias de ocupação irregular. A farra do auxílio-moradia é tamanha que até deputados do Distrito Federal, que têm residência fixa na capital, recebem a ajuda. O deputado-empresário Osório Adriano (PFL), por exemplo, tem uma mansão de mais de mil metros quadrados, mas nem assim abre mão do “auxílio”, de R$ 3 mil.

Na semana passada, o jornal O Globo mostrou que em 2005 os parlamentares receberam R$ 41 milhões da Câmara apenas para cobrir gastos com combustível – um número obviamente fora da realidade. Um dos recordistas é o deputado Francisco Rodrigues (PFL-RR). Nos três primeiros meses deste ano, ele pediu R$ 60 mil de reembolso, dinheiro que pagou combustível até para os caminhões de sua empresa em Roraima. Com todas as letras, em entrevista ao jornal, ele admitiu que frauda o benefício. “O instrumento mais fácil para justificar gastos é com notas de combustível”, revelou. “Um almoço, por exemplo, em que não consegui nota fiscal, justifico como gasto de combustível.” Também são recordistas do auxílio-combustível os deputados Marcelino Fraga (PMDB-ES) e Abelardo Lupion (PFL-PR). Cada um deles justificou despesas de combustível de, respectivamente, R$ 54 mil e R$ 50 mil. Para receber a verba, os deputados têm de apresentar as notas fiscais, que nem sempre são checadas. Para checar que destino o pedetista dera às notas, ISTOÉ pediu oficialmente à Câmara para consultar as prestações de conta do deputado Rodrigues. O pedido foi submetido à Mesa Diretora, que negou sob alegação de que o acesso aos documentos poderia “configurar violação à vida privada do deputado”. Como se não fosse dinheiro público que estivesse em jogo. “Os políticos brasileiros sofreram um processo de degradação moral no qual se comportam como primatas”, dispara o cientista político Walder de Góes. “O caso do PT criou um efeito demonstração, no qual até os funcionários subalternos passaram a se comportar como se fosse legítimo se corromper.”