No seio da classe média, num bairro nobre, um rapaz que estudava em colégio particular, praticava tênis e xadrez protagonizou um crime que há séculos intriga a humanidade – o matricídio. RBS, 17 anos, apelidado de Bodira, sempre vivera às turras com sua mãe, Zeli Boeira de Abreu. Às seis horas da manhã do sábado 22, porém, eles tiveram a sua pior – e última – briga. Acostumada a freqüentar bares e boates, Zeli chegou em sua casa por volta das quatro da madrugada. Cerca de duas horas mais tarde, despertou com o barulho da descarga do banheiro. Era Bodira, que acordara fora de hora. Zeli irritou-se ao ter seu sono interrompido. Mãe de três filhos, ela havia deixado os dois menores passar o fim de semana com o pai. Sem a presença das crianças, foi até a cozinha e pegou uma faca. Deu cerca de 15 passos, atravessou a sala, um pequeno corredor e entrou no quarto. Ali, ordenou ao rapaz para que deixasse imediatamente o apartamento. Por alguns minutos, ambos se atracaram. Lutador de jiu-jítsu, Bodira não teve dificuldades em imobilizá-la. Prendeu sua cabeça entre as pernas, tirou-lhe a faca e, quando Zeli desfaleceu, pensou que ela desmaiara. Na verdade, ele acabara de matar, por estrangulamento, a própria mãe. A cidade mal acordara e já estava pronta e acabada uma dessas notícias que fazem mal à alma.

“Esse crime mostra um jovem que perdeu absolutamente a referência pelos limites, com falta de vínculo afetivo com a mãe”, diz a psicóloga Sâmara Jorge, especialista no trato de adolescentes. “O que houve entre eles foi ódio, que é diferente da raiva. Esta pode ser controlada. O ódio não.” Depois do crime, relatado mais tarde pelo próprio jovem à polícia, ele correu para a casa da mãe de seu padrasto. Mesmo abalada pelo que ouvira, Mércia Oliveira contou com a concordância de Bodira para chamar Marcelo Abreu, que fora casado com Zeli por nove anos. Mal acreditando no relato, ele foi ao apartamento da ex-mulher. Ao vê-la estendida no quarto, tentou aplicar-lhe massagem cardíaca, mas não havia o que fazer. Chamou, então, a polícia. Simultaneamente, o jovem entregou-se. No dia seguinte, já estava recluso numa ala especial da Febem.

A morte de Zeli nas mãos violentas do filho foi o mais triste final de uma história de brigas familiares que já se arrastavam há anos. Ela costumava colocar Bodira de castigo, trancado no próprio quarto, toda vez que ele aparecia com uma nota baixa na escola ou fazia algo que ela não aprovasse. “Ela era completamente desequilibrada e rigorosa demais com o menino”, conta o ex-marido. Os vizinhos do apartamento de Zeli acostumaram-se a ouvir portas sendo batidas com força e socos na parede. Acreditam que eram desferidos por ela. “Bodira sempre foi muito calmo aqui fora”, conta uma vizinha, chamada Lúcia, que confiou seus dois filhos menores às aulas de artes marciais que o rapaz ministrava no condomínio. “O problema dele sempre foi a repressão dentro de casa”, continua Lúcia, apontando para o apartamento 86 do edifício Manaus, onde o crime aconteceu.

Apesar da imagem de pacato, Bodira já tinha uma passagem pela polícia. Brigara a socos, na rua, com um jovem de 15 anos. Em seu colégio, porém, ainda tem a imagem de bom moço. “Ele era um aluno dócil, inteligente e compromissado com a escola”, garantiu a ISTOÉ a professora Stella Maria Cristaldi, coordenadora do Colégio Cristovão Colombo, onde ele cursava a segunda série do ensino médio. “O que faltou a ele foi maturidade”, diz Pierina Massa, proprietária da escola. Considerado bonito, o jovem nunca foi, ao contrário de grande parte de sua geração, aficionado por computadores, mas mantinha uma página no site de relacionamentos Orkut. Dali, porém, os nomes de seus amigos virtuais foram apagados depois do crime, junto a todas as mensagens que arquivava. Fã do Corinthians, ele tinha medalhas penduradas em seu quarto pelo bom desempenho em jogos como xadrez e tênis. Este último, praticado desde a infância. O esporte o ligou fortemente ao ex-padrasto, que foi campeão brasileiro. Marcelo Abreu, mesmo chocado com toda a violência, entrou na Justiça com um pedido para obter a tutela de Bodira.

Zeli – “uma mulher muito bonita”, lembram os amigos do prédio – também não era unanimidade quando o assunto era disciplina. “Ela bebia muito nos finais de semana, quando os outros filhos estavam com o pai”, lembra outro morador do condomínio. Nascida em Caxias do Sul, Zeli morava há três anos na capital paulista, onde vivia com os três. Não trabalhava. O apartamento em que foi assassinada fora alugado pelo pai dos dois menores, que também arcava com todas as outras despesas da família. Ela foi sepultada em sua cidade natal. Quanto ao filho, deve passar a próxima semana recluso na Febem. Ele pode ficar preso por 45 dias, até a marcação de seu julgamento. Pelo fato de ser menor de idade, não poderá ser condenado a mais de três anos de prisão. “Temo por sua vida”, disse o padrasto. Pelo código informal dos internos, quem mata a mãe está marcado a pagar com a própria vida pelo crime.