Quando vou ao cinema, ao contrário de muitos colegas, não reparo se a câmera está assim ou assado, se a luz é incrível, se o figurino e as locações são lindas. Vou ao cinema para embarcar na história e choro como se as desgraças acontecessem comigo. O máximo que me distancio é quanto ao trabalho dos atores. Fico fascinada com uma boa atriz e imediatamente apaixonada por um bom ator.

“Histórias Cruzadas”, com a esperta direção de Tate Taylor e as atuações soberbas de Emma Stone, Jessica Chastain e Viola Davis (que deve tomar o Oscar da pobre da Meryl Streep), tem alguns clichês e momentos água com açúcar que me pegaram direitinho, fiquei emocionada, envolvida e torcendo pelas heroínas. Caio feito uma pata nas armadilhas dos americanos. E temos que admitir que eles fazem isso como ninguém. A história é de uma garota da cidade de Jackson, Mississippi, recém-formada, que resolve escrever um livro sob o ponto de vista das empregadas domésticas negras. Para isso conta com a ajuda de Aibileen (Viola) e da hilária Minny (Octavia Spencer). Após 100 anos da abolição da escravatura nos Estados Unidos, as mulheres negras continuavam com praticamente uma única opção de trabalho: os serviços domésticos das madames.

Seus filhos criados por elas e todas as suas frustrações resolvidas em chás entre amigas da sociedade e requintes de crueldade no trato com os serviçais, entre eles, a exigência da construção de um banheiro do lado de fora da casa para evitar o contágio de doenças.

Só que os Estados Unidos cresceram, viraram gente grande e essa é uma profissão que quase não existe mais. Quem faz ganha por hora e ganha bem.

Nem vivendo na maior fantasia infantil eu vi uma menina dizer: “Quando eu crescer, quero ser empregada doméstica porque é muito legal.” É um serviço que ninguém deseja de verdade. É a última opção, às vezes motivo de vergonha. No mundo maravilhoso das empregadas, o chique é ser babá ou diarista. Dá mais status.

Vivo na zona sul do Rio e aqui parece que o mundo acaba sem elas. Não temos como trabalhar, como ir ao salão, fazer ginástica nem cuidar dos nossos filhos sem elas. O estilo de vida é bem semelhante ao que aparece no filme. Os uniformes também. Quase não se enxerga a empregada como gente. É comum que deixem seus próprios filhos com outras pessoas para que possamos ir ao cinema sossegados. As babás dormem com nossos filhos como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Não é. As portas das creches mais parecem um hospital, tal a quantidade de mulheres vestidas de branco. Papais e mamães estão muito ocupados para levar as crianças ao colégio. Nós, brancas perfumadas, fazemos ioga, achamos lindo o que diz Dalai Lama, postamos frases de paz e amor no Facebook, mas temos coragem de dar folga para a babá de 15 em 15 dias. O discurso não combina com as atitudes. Aquele cara boa-praça ou aquela patroa gentil não se tocam que a pessoa que mora na casa deles também tem vontades, sono e saudade dos filhos. No fim de semana nada mais natural do que deixar a pia cheia de louça, afinal, ela chega segunda de manhã e vai lavar tudinho.

Em qualquer lugar do Rio de Janeiro, pode-se ver a babá carregando a criança no colo ou empurrando o carrinho e a mãe com a mão cheia de sacolas ou sem nada mesmo. É estranhíssimo. Alguma coisa está fora da ordem. E não é na ficção. 

Márcia Cabrita é atriz