A ex-jogadora diz que falta projeto para preparar esportistas para a Olimpíada do Rio e conta por que fez terapia antes de se aposentar das quadras

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MULHER
"É ridículo ver uma atleta se maquiando, passando
batom para competir. Isso não irá fazê-la mais feminina"

Aos 49 anos, Maria Paula Gonçalves da Silva está provando que não precisa fazer mágica, como fazia dentro da quadra quando ser jogadora de basquete era a sua profissão, para fazer o esporte brasileiro se desenvolver. Ela, que controlando a bola de basquete ficou conhecida como Magic Paula, segunda maior pontuadora da seleção brasileira e integrante do Hall da Fama da modalidade, hoje, como gestora esportiva, toca um projeto inédito financiado pela Petrobras que busca o crescimento de atletas de alto rendimento de olho em 2016. Com o Programa Petrobras Esporte & Cidadania, a empresa deixou de injetar dinheiro no Comitê Olímpico Brasileiro por não enxergar resultados que justificassem o investimento para apostar em gente preparada para gerir o esporte no Brasil. E é Paula, com uma receita simples que envolve vontade de realizar e jogo de equipe, que tem dado uma lição de como o País pode se tornar uma potência olímpica. Sem truques: apenas dando chances reais aos atletas e os educando.

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"Menos atletas brasileiros irão à Olimpíada. E vamos
manter ou diminuir o total de medalhas de Pequim"

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"A rivalidade Paula x Hortência me deixou com sequelas, me fez mal.
Cada uma carregava a camisa do clube, a sua estrutura psicológica"

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ISTOÉ

Dá para viver do esporte olímpico no Brasil?
 

Magic Paula

Não. Isso é para poucos. A grande maioria ainda sobrevive graças ao talento, à persistência, à perseverança. Estamos bem longe de dizer que trilhamos o caminho certo. A gente vive de ações pontuais; cada um achando que está fazendo o seu. A gente não se junta para remar para o mesmo lado. 

ISTOÉ

Como deverá ser o desempenho da nossa delegação nos Jogos de Londres?
 

Magic Paula

Menos atletas brasileiros irão à Olimpíada. Vamos manter ou diminuir o número de medalhas conquistadas em Pequim (15, no total). Não ficaria triste se isso ocorresse, caso estivéssemos preparando atletas para 2016. É uma seleção de jovens promessas porque não temos, hoje, uma geração de atletas para 2016. Foi empolgante para o brasileiro ver o País conquistar o direito de sediar uma Olimpíada. A gente só não viu – ou talvez eu não tenha conhecimento – se, paralelamente à construção do projeto de sediar a Olimpíada, o Brasil definiu o programa que irá adotar para gerir o esporte internamente até 2016, principalmente partindo dos órgãos governamentais. Porque, se vier algo de cima para baixo, todo mundo vai seguir.
 

ISTOÉ

Temos apenas ações isoladas? 

Magic Paula

Sim. É triste porque a gente fica no mesmo dilema da Copa: será que os estádios vão ficar prontos? Sempre pensamos mais nas obras. Mas essas eu não tenho dúvida de que irão ficar prontas. E o brasileiro vai sempre dizer amém a tudo o que vê. Mas qual o modelo de gestão que o Brasil adotou em relação ao trabalho de formação? Quem são os atletas que estão sendo preparados para 2016, 2020?
 

ISTOÉ

Há pressão dos patrocinadores por resultados imediatos?
 

Magic Paula

Se o esporte não mudar a cabeça de quem o apoia, ficaremos nesse jogo: alcançamos resultados imediatistas e ficamos sem planejamento. E em época de Olimpíada é isso. Chovem patrocinadores e, depois do evento, vem a debandada. A gente dá poder excessivo ao COB também. As confederações esperam demais do COB coisas que têm de partir internamente delas. Eu entendo que se precise de dinheiro para desenvolver uma modalidade. Mas falta planejamento, estruturar-se, preparar melhor os gestores do esporte.
 

ISTOÉ

A mentalidade do dirigente esportivo mudou desde a época em que você competia?
 

Magic Paula

Pouco. Sempre fui crítica quanto aos dirigentes, porque o esporte vem evoluindo, mas é gerido de forma amadora. Ainda se ouvem coisas como “estou no cargo porque gosto, faço o trabalho voluntariamente”. Errado! A pessoa acha que é bonito, motivo de aplauso, mas não! Se eu quero que a minha modalidade evolua, preciso de pessoas qualificadas no processo. Tem de parar com essa coisa de nomear só porque é amigo, ajudou na eleição, fez campanha. O esporte ainda depende muito de favores. Você não deve agradar a quem te o elegeu. Não temos a filosofia de profissionalizar e ser cobrado.
 

ISTOÉ

Por isso dirigentes passam décadas no comando de federações?
 

Magic Paula

Isso não é saudável. Existem feudos no esporte brasileiro. A gente não admite que tenha gente fazendo um trabalho melhor do que o nosso. No esporte, a gente tem de ser mais humilde. Falta humildade de a gente sentar junto e construir. Mas, quando alguém propõe algo, pensa-se que se quer fazer ingerência, que se quer tomar o poder. A vaidade é algo muito presente na política esportiva. E o dirigente não sai (da confederação) e também não prepara ninguém para substituí-lo. A vaidade e a falta de união fazem a gente caminhar a passos bem lentos.
 

ISTOÉ

Considera o atleta brasileiro preparado para vencer?
 

Magic Paula

A gente sofre da síndrome de se menosprezar e maximizar o adversário. Os americanos têm até aula de autoestima. E a gente vai para a Olimpíada e pensa: “Cheguei aqui e isso é mais do que eu podia esperar.” Porque a gente chega à Olimpíada e vê os ginásios, piscinas bem melhores do que a gente vê aqui. Enquanto não conseguirmos dar essas condições ao atleta aqui, para que ele se sinta no mesmo patamar, vamos sempre depender de poucos que tenham um pouco mais de equilíbrio. Falta equilíbrio emocional para a grande maioria dos atletas brasileiros. Essa história de se debulhar de chorar ao receber a medalha no pódio. Não que não tenhamos de nos emocionar, mas parece que não acreditamos em nós mesmos, naquilo que está acontecendo. É próprio de quem não está acostumado a ser vencedor.
 

ISTOÉ

Por que isso acontece?
 

Magic Paula

Em 1996, voltamos de Atlanta de avião fretado, porque o presidente Fernando Henrique iria receber os medalhistas em Brasília. Foi curioso porque eu escutava o cara do atletismo dizendo “ganhei medalha, mas não sei se o patrocinador continuará comigo”, um outro dizendo que não tinha equipe para jogar, outro sem emprego. Gente, o atleta brasileiro não tem tranquilidade para se preparar para uma olimpíada! O basquete, hoje, porém, conta com R$ 16 milhões por ano de recursos. Então não dá mais para dizer que a gente não vence porque não tem dinheiro. A gente não chega porque não se preparou direito, não preparou as gerações. O esporte no Brasil vive de talentos esporádicos, que surgem, passam e não aproveitamos o potencial deles como deveríamos.
 

ISTOÉ

O programa da Petrobras administrado pelo seu instituto acaba de completar um ano. Quais são os resultados?
 

Magic Paula

Ele foi feito, exclusivamente, para beneficiar o atleta. Não investe em confederações. Sempre ouvimos coisas como “não tenho apoio, patrocínio, não consigo competir fora do Brasil”. O programa, então, foi concebido pensando em 2016, nos esportistas de alto rendimento, e beneficia cinco modalidades olímpicas historicamente sem divulgação: boxe, tae kwon do, levantamento de peso, remo e esgrima. Com o dinheiro da Petrobras, cerca de R$ 15 milhões por ano, as confederações indicam o técnico e os atletas que irão participar do programa. E o meu instituto, o Passe de Mágica, faz a gestão e presta contas. Pagamos salários que vão de R$ 1.250 a R$ 3.100, plano de saúde, as viagens, as hospedagens, compramos material esportivo, tudo. As seleções apoiadas pelo programa participaram de 56 competições internacionais nesse primeiro ano do programa e visitaram 28 países, 44 cidades do mundo. Estamos com 110 atletas e a ascensão no ranking internacional de muitos é enorme.
 

ISTOÉ

Por exemplo?
 

Magic Paula

No boxe, dois atletas saltaram da 20a e 73a posições para a segunda e a quinta, respectivamente. Na esgrima, outros dois pularam da 54a e 597a para a 21a e a 134a. O Fernando Reis, do levantamento de peso, conquistou a primeira medalha de ouro da modalidade no Pan-Americano do México. Hoje, ele, que ocupava a 34a posição, é 14o no ranking. Contamos com uma equipe multidisciplinar com preparador físico, nutricionista, fisiologista, analista de desempenho, psicólogo, dentista, médico. Com esse apoio e aporte, a gente vai ter melhorias. Basta dar uma chance, uma oportunidade.
 

ISTOÉ

Já pensou em treinar equipes de basquete?
 

Magic Paula

Não. Aos 36 anos, comecei a ter algumas reações que até então não tinha. Pensava: “Putz, vou ter de viajar para jogar. Tenho de treinar, mas que saco!” Lia muito sobre a transição de carreira dos atletas ao anunciar a aposentadoria. E eu via que tinha muito atleta que se perdia, bebia, se drogava. Eu não podia incorrer nesse erro. E decidi fazer terapia para entender esse processo. Fiz dois anos de terapia para me aposentar. Como iria encarar a vida depois de 20 anos fazendo sempre a mesma coisa? Outro processo: o tempo ia passar e as gerações não iriam me reconhecer mais. Eu tinha de matar a minha identidade como jogadora, mas não a minha história. Parei de jogar em 2000, mas só fui colocar em casa quadros com fotos minhas como jogadora faz três anos.  

ISTOÉ

Como era a terapia?
 

Magic Paula

Ia ao terapeuta duas vezes por semana. Era uma terapia do tipo causa e efeito, meio rápida. O atleta, psicologicamente falando, é muito sequelado. Ele se cobra demais, a torcida e a família o cobram demais. Ele acha que as pessoas só se aproximam porque ele é o atleta do momento. O atleta tem de se cuidar depois que parar, de preferência durante a carreira. No meu caso, a rivalidade Paula x Hortência me deixou com sequelas, me fez mal.
 

ISTOÉ

Por quê?
 

Magic Paula

Se você não tem esse perfil de individualismo, de ser melhor do que o outro, competir contra alguém acaba agredindo a sua índole. Escolhi um esporte coletivo porque é a forma como gosto de trabalhar, mas em grande parte da minha vida tive de competir individualmente com outra pessoa. E tinha atitudes comportamentais que me agrediam. Se o time da Hortência vencesse, eu interpretava que ela era a ganhadora e eu a perdedora. Eu não dividia coletivamente nem a derrota nem a vitória. Uma das causas da grande demora da seleção em conquistar títulos foi porque eu e ela não conseguíamos separar isso quando estávamos ali. Cada uma carregava a camisa do clube, a sua estrutura psicológica.
 

ISTOÉ

As mulheres ainda sofrem discriminação no esporte?
 

Magic Paula

O esporte é bem machista ainda. O nosso time de basquete feminino, quando chegou a Atlanta (1996) para a Olimpíada, teve de arranjar uma costureira brasileira para ajustar o uniforme, porque ele era o mesmo do masculino. Mas acho ridículo ver uma atleta se maquiando, passando batom para competir. Isso não irá fazê-la mais feminina. Pensar assim é retrógrado. Não é necessário que ela prove que é mulher no esporte.