No dia 19 de abril de 1991, o Brasil
foi sacudido pelo refrão romântico
“É o amoooooor…” Antes mesmo
que o preconceito contra a música sertaneja se manifestasse, o primeiro CD da dupla Zezé Di Camargo & Luciano alcançava a estonteante marca de 750 mil discos vendidos e o hit invadia festas chiques e populares de todo o País. Era o começo de uma das mais avassaladoras carreiras do mercado musical brasileiro. Ao completar 15 anos, a dupla comemora 22 milhões de discos vendidos em 14 CDs, uma média de três discos por minuto. E prepara o lançamento de uma caixa com o creme do repertório. Em agosto, sairá o 16º disco com participação especialíssima de Chico Buarque, com quem cantam Minha história, uma versão feita por Chico em 1970 para a canção italiana Gesùbambino. A outra cantora convidada para o disco é Ivete Sangalo, com quem ainda não haviam gravado. Até o fim do ano, dois outros passos de consolidação da carreira serão dados: o início da turnê européia, em Portugal, onde se apresentam a partir de maio, e a possibilidade de fazer, enfim, um disco acústico.

Em uma década e meia de sucesso, os
irmãos Zezé Di Camargo, 43 anos, e Luciano, 33, experimentaram curiosas mudanças
e passaram do deslumbramento à sobriedade. Oriundos do boom do sertanejo, entre o fim
da década de 80 e início de 90, os ex-garotos pobres de Goiás enriqueceram muito rapidamente e se dedicaram, como qualquer novo-rico, aos prazeres materiais: carrões, mansões, viagens nababescas, roupas dos maiores estilistas do mundo. Hoje, Zezé faz uma análise sincera: “Teve uma época em que eu usava muito Versace e trocava de carro de seis em seis meses. Hoje, troco de quatro em quatro anos e uso a roupa que veste bem em mim. Pode ser Armani, Diesel ou algo sem grife.” Para confirmar, conta que esteve recentemente nos Estados Unidos onde comprou, num outlet (ponto de revenda de roupas), duas camisas Armani. “Paguei US$ 160. Se fosse comprar numa loja normal, pagaria
US$ 1 mil. Eu faço a feira em outlets!”

Nenhum dos dois reclama de ter perdido a privacidade em função da extrema popularidade, mas reagem a isso de forma diferente. Luciano não desiste de fazer coisas de “gente normal”, nem que seja preciso adotar estratégias. “Já contratei um maquiador para me envelhecer e assim poder ir à Bienal do Livro, em São Paulo. Deu certo: fiquei parecendo um professor de óculos”, confessa. Já Zezé Di Camargo aceita os limites: “Eu gostava de bater uma bola por aí. Não dá mais. Agora, só posso jogar no campo de futebol da minha casa ou na casa de amigos. Assistir a uma partida no estádio com a galera, nem pensar. Só posso ir na Tribuna de Honra. Parece ‘metidez’, mas é uma necessidade.” O assédio feminino, eles adoram. “Sempre falei de minha família, minha mulher, para todo mundo. Não vou sair galinhando, mas esse assédio faz bem à vaidade, ao ego”, diz Zezé, que acabou de fazer uma lipoaspiração “nas laterais da cintura” e exibe sua nova barriga-tábua. Ainda com um esparadrapo no umbigo, ele explica: “É para ele (o umbigo) não ficar caidinho.” Luciano também adora as fãs enlouquecidas que perseguem os cantores: “Privacidade, eu tenho na minha casa, no meu quarto. Nas ruas, sou do povo.” Um lançamento literário vai contribuir para mais exposição: está pronto o livro sobre a matriarca da família escrito por Carolina Kotscho. O título ainda não está definido: “Eles (a editora Planeta) querem algo na linha “10 filhos de Helena”, mas eu quero apenas “Helena”, explica Luciano.

A imagem de Zezé e Luciano é a de bons moços, que eles próprios reconhecem, e que rende muitos convites para comerciais. “O filme (2 filhos de Francisco) trouxe um dado novo à nossa carreira, que foi o respeito de todos, independentemente de gostar ou não de nossa música”, diz Luciano. “A família Camargo passou a ser uma imagem de sucesso feito com trabalho, honestidade, perseverança”, resume Zezé. A tecla do respeito – ou a falta dele – é batida com insistência. “Fomos muito desrespeitados. Nunca pretendemos que alguém gostasse de nossos discos, mas que respeitassem nosso trabalho”, diz Zezé, referindo-se, principalmente, à crítica especializada. Desde cedo, segundo ele, o artista deve definir seu objetivo: “Quer cantar para meia dúzia ou para a massa?” Eles escolheram a segunda opção.

“Fazemos música comercial, mas não por conveniência ou para ganhar dinheiro. A gente faz porque é essa música que gostamos de verdade”, afirma Zezé, autor da maioria das canções e um dos artistas brasileiros que mais arrecadam direitos autorais. Aliás, ser tão comercial é uma surpresa para ele. “Quando comecei, minha expectativa era cantar na rádio Record de São Paulo, nos circos… Vender, na melhor das hipóteses, 50 mil discos.” A virada na própria carreira coincide com a do status do gênero. “As pessoas achavam que o sucesso dessa música era modismo, algo passageiro. Mas ela ganhou uma vestimenta mais urbanizada, uma indumentária mais universal. Nós aparecemos, assim como outras duplas, no bojo dessa mudança”, analisa Zezé.

Os dois irmãos combinam em quase tudo. Mas há divergências quando o assunto é eleição presidencial: Zezé vai votar em Lula, Luciano não. “Eu não acho que o que está acontecendo agora é diferente do que já acontecia há dez, 15, 20 anos. Nunca fui PT; a gente fez campanha foi para o Lula. Vou votar nele porque é um cara da minha inteira confiança”, defende Zezé. “Eu não vou votar no Lula em primeiro lugar porque sou contra a reeleição. Já escolhi meu candidato, mas o voto é secreto”, desconversa Luciano. Ambos, entretanto, estão afinados numa nota: subir em palanque para fazer campanhas, nunca mais.