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A polêmica sobre a qualidade do serviço ferroviário começou a pegar fogo nesta quinta-feira (23) em uma Argentina comovida com a colisão de um trem que deixou 50 mortos e 703 feridos, enquanto os familiares buscam desesperados os passageiros desaparecidos no acidente. "Realizamos um relatório em 2008 sobre deficiências da ferrovia Sarmiento. A situação era desastrosa e o sistema de freios, péssimo", disse à rádio Mitre Leandro Despouy, chefe da Auditoria Geral da Nação (AGN), cargo público de controle reservado à oposição.

Um trem lotado com 2.000 passageiros da linha que liga a capital à superpovoada periferia oeste entrou na quarta-feira sem frear em uma plataforma da estação do bairro comercial de Once. "Desde então (2008) não mudou muito (o serviço). O Estado não agiu nem aplicou sanções graves. A Trens de Buenos Aires (TBA, empresa concessionária) já protagonizou vários incidentes", disse Despouy.

Em uma declaração que mereceu uma enxurrada de réplicas na rede social Twitter, o secretário de Transportes do governo federal, Juan Pablo Schiavi, afirmou que, se o acidente "tivesse ocorrido na terça-feira (feriado), teria sido uma coisa menor".

"E os primeiros vagões estavam abarrotados de gente porque os passageiros costumam estar ali para sair da estação", acrescentou logo depois Schiavi, com status de ministro no governo da presidente Cristina Kirchner. A opositora União Cívica Radical (UCR, social-democrata), segunda força parlamentar, pediu em um comunicado que Schiavi se explique imediatamente no Congresso para que responda pelo trágico acidente.

Despouy, junto com outras forças da oposição e com a central trabalhista governista CGT, exigiram também que o governo ponha fim à concessão dada à TBA. O chefe do serviço de emergências da cidade (SAME), Alberto Crescenti, informou nesta quinta-feira em declarações transmitidas por rádio que o acidente deixou um saldo de "703 feridos, segundo o último registro dos hospitais".

O número de mortos alcançou 50, dos quais 11 ainda não foram identificados, revelaram o subsecretário de Direitos Humanos do governo comunal, Claudio Avruj, e o diretor da Defesa Civil, Daniel Russo. Entre as repercussões internacionais, o papa Bento XVI disse que "reza pelos mortos" e manifestou sua "proximidade com os familiares e solidariedade aos feridos", informou o jornal oficial da Santa Sé.

Russo disse a uma rede de televisão que "há seis homens e cinco mulheres ainda sem identificação. Tiramos fotos que mostramos aos familiares para que não tenham contato com os corpos. Isto pode ser feito porque não estão desfigurados. E buscamos tatuagens, anéis, para que possam reconhecê-los". A sociedade seguia consternada, enquanto cenas dramáticas eram vividas no necrotério com pessoas em busca de seus familiares.

Diante das câmeras e microfones, Silvino Zelaya mostrou a foto de sua irmã María Teresa, de 37 anos, que "viajava no primeiro vagão para sair rápido da plataforma e não aparece agora em lugar algum". A maioria dos falecidos viajava no primeiro e no segundo vagão do trem, onde o resgate das vítimas presas durou quase quatro horas.

Cristian, de 25 anos, passageiro do Sarmiento, disse nesta quinta-feira à AFP em Once que "hoje já há mais medo e as pessoas se agarravam às coisas quando o trem chegou à estação e os primeiros vagões estavam quase vazios". "Meu filho está em algum lugar, vivo ou morto!", suplicava diante dos jornalistas María Luján, mãe de Lucas Menghini, de 20 anos, que viajava naquele trem e desde então está desaparecido.

Outra mulher, identificada como Estela, grávida e soluçando, disse que procurava seu marido, Alberto García, dizendo que "ninguém sabe o que aconteceu com ele". A investigação judicial avançou com uma inspeção na estação, mas ainda não foram reunidas provas para formular uma acusação.

O maquinista, Marcos Córdoba, de 28 anos, sobrevivente do impacto, "está internado em uma unidade de terapia intensiva com boa evolução. Está fora de perigo", segundo o comunicado de um hospital particular. O acidente ferroviário mais grave já registrado na Argentina ocorreu em Benavidez (periferia norte), com 236 mortos em 1970, e o segundo foi na província de Santa Fé (centro-oeste) com 55 mortos, em 1978.