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TRIVIAL CHIQUE No Dalva e Dito (acima) e no Dona Onça (à esq.), as estrelas são as mesmas das casas brasileiras. Mas o tratamento é fino.

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O arroz com feijão, comida básica do dia a dia, está vivendo momentos de glória. Não só por parte de nutricionistas, que há muito reconheceram o potencial da combinação, mas pelo paladar crítico e exigente do público da alta gastronomia, que está deixando um pouco de lado o fascínio pela cozinha internacional para dar vez a versões bem mais sofisticadas dos pratos típicos de boteco, como picadinho, rabada e fígado. Com direito a preço, ambiente e serviço de restaurante sofisticado, claro.

Em São Paulo, no Dalva e Dito, casa nova de Alex Atala, o cardápio está repleto de clássicos com o clima do interior do Estado: cuscuz paulista, leitão à pururuca, arroz com feijão. Entre os acompanhamentos, couve e farofa. De diferente da comida de boteco comum, há o salão com assinatura do arquiteto Marcelo Rosembaum e técnicas como o cozimento a vácuo e em baixas temperaturas. Com sua pesquisa em ingredientes brasileiros locais, Atala abriu caminho para emplacar um restaurante com comida colonial e convencer a clientela a apreciar a mesa nacional. "O Brasil tem uma autoestima maior do que nunca", diz o chef. "São Paulo é uma cidade de raiz italiana, que tem alma familiar. É mais que natural olhar essa comida caseira com carinho, orgulho."

Para o sociólogo Carlos Alberto Dória, esse interesse súbito pela comida caseira é fruto da globalização, que deu destaque a produtos locais. A comida brasileira passou a ser percebida como tendo tanto valor quanto a francesa, a japonesa ou a italiana, que eram mais associadas ao jantar em restaurantes. "Ninguém come porque é nacionalista, mas porque essa opção se tornou interessante", afirma Dória, que acaba de lançar o livro "A Formação da Culinária Brasileira". "É curioso ver esses chefs trazerem a tradição para a esfera pública." No Brasil a Gosto, a chef Ana Luiza Trajano pesquisou receitas de diversas regiões do País e recriou pratos, mudando o tratamento dado aos ingredientes.

"Eu não faço uma culinária regional. Pesquiso e faço minha interpretação", diz ela. Hoje, ela afirma que os clientes não só aceitam pratos como o tropeiro arroz de suã (espinha do porco) ou carne de bode como perguntam quais são as novidades do menu, que Ana Luiza acrescenta sempre que volta das viagens de pesquisa.

Nesta onda, até o frango da "televisão de cachorro" mudou de status. Depois de trabalhar na cozinha de Atala, a chef Fabiana Caffaro abriu o Anita no final do ano passado, em que a estrela é este frango. A máquina de assar ficava na porta do restaurante nos primeiros meses e provocava filas nos fins de semana. O galeto com farofa, batata bolinha com alecrim e vinagrete de tomates verdes é o campeão de pedidos de um menu recheado de pratos familiares, como frango com creme de milho e bife à parmegiana.

"O paulistano sempre gostou desse tipo de comida simples, mas só tinha boteco para ir", diz Fabiana. "São pratos que as mães costumam fazer em casa, e o restaurante trouxe essa comida de volta." Querendo resgatar suas origens, o chef do bistrô Allez Allez, Luiz Emanuel Cerqueira de Souza, abriu há dois meses o Chafariz, em que recupera especialidades mineiras, também reinterpretadas com menos banha e mais óleo de girassol. "Fui criado em Minas, e tenho a ideia de que essa culinária veio para ficar nos restaurantes", diz o chef.

Mas nem só de formação gastronômica vive o renascimento do arroz com feijão. No restaurante Dona Onça, em São Paulo, Janaína Rueda é uma cozinheira intuitiva, que não larga por nada sua panela de pressão. "Se tirá-la, não sou eu", afirma a cozinheira. Nem por isso os pratos deixam de ter um toque especial, por conta dos pitacos de Jefferson Rueda, marido de Janaína e proprietário do sofisticado Pomodori.

"Ele me deu a inspiração de fazer a comida de casa, mas sem usar ingredientes prontos, como caldo industrializado", diz Janaína, que também sentia falta de lugares que servissem comida de bar com tratamento de restaurante de alta gastronomia. Todos concordam com uma coisa: não há técnica gastronômica que substitua o tempero da memória afetiva. Como lembra Janaína: "Mãe é mãe. A minha cozinhava bem básico, mas tenho saudade do bife bem passado, com bastante cebola. E, mesmo não sendo igual, é bom lembrar das coisas boas."