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Saudade Em 2007, Sean com a mãe, Bruna, que morreu há dez meses: terapia semanal e apoio dos amigos

" Eu quero falar e as pessoas não querem me ouvir. Não estão me respeitando. Eu tenho tido dor de barriga e dor de cabeça. É porque eu quero falar o que tô sentindo e ninguém me escuta." Esta é uma das frases que Sean Goldman, 9 anos, tem dito em casa, segundo relato à ISTOÉ de sua avó, Silvana Bianchi, com quem ele mora e a quem chama de nonna (avó, em italiano). "As pessoas", no caso, são os juristas e ministros que decidirão se ele ficará no Brasil com a família de sua mãe, Bruna Bianchi – que faleceu há dez meses durante o parto de Chiara -, ou se volta para os Estados Unidos com o pai biológico, o exmodelo David Goldman.

Ambos os lados disputam a guarda do garoto. O que o menino quer tanto dizer a todos? "Não quero ir embora do Brasil. Minha família está aqui. Minha irmã está aqui", é a resposta. Praticamente a mesma que disse, e repetiu sete vezes, durante a análise psicológica feita por peritos, a pedido da Justiça Federal, em abril. "Sean está a par da situação toda", garante Silvana. "Optamos por não esconder nada porque ele sente que está acontecendo algo sério relacionado à sua vida. Omitir poderia soar como trair", afirma a avó. Com rara maturidade para a idade, o garoto quer participar da decisão que vai definir seu destino. Sean quer falar.

Dos nove anos de sua vida, ele passou menos da metade nos Estados Unidos, onde nasceu, pois veio para o Brasil com quatro anos. Aqui, sua mãe pediu o divórcio de David e se casou com o advogado João Paulo Lins e Silva, seu tutor desde o falecimento de Bruna. Na segunda-feira 1º, a 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro concedeu a guarda do garoto ao pai biológico e determinou que ele voltasse aos Estados Unidos num prazo de 48 horas. Na noite seguinte, entretanto, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar impedindo que ele fosse levado. Se o voto de Mello for confirmado pela corte na quarta-feira 10, será marcada, então, a última e definitiva etapa dessa longa disputa: o processo legal para exame do mérito. Provavelmente, daqui a dois ou três meses.

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DISPUTA David Goldman (à esq.) e João Paulo Lins e Silva brigam pela guarda de Sean. O americano ganhou o apoio dos Estados Unidos para reaver o menino

Enquanto isso, o garoto que não é ouvido, mas é cada vez mais visto em reportagens que correm o mundo, não consegue levar uma vida normal. "Ele não tem tido vontade de sair. Ficou muito exposto. Virou o ‘caso do menino Sean’. Dá vontade de mudar o nome dele para Joãozinho", diz a avó. O garoto faz terapia semanal e conta com o apoio dos amigos do time de basquete, das aulas de jiu-jítsu e do colégio. É tão carioca quanto os colegas nascidos no Rio: tem sotaque, adora praia e futebol. E, como qualquer criança, acha que já definiu seu futuro. Pretende ser advogado ou chef de cozinha. O que o difere, ele sabe, é ter dois pais que o disputam.

Sean chama David de David e chama João Paulo de pai. Não entende, ainda, as implicações políticas que insistem em ser mais fortes que os laços afetivos. Desconhece a importância da secretária de Estado americano, Hillary Clinton, que batalha por seu retorno aos Estados Unidos e entende menos ainda como a Convenção de Haia (que trata de sequestro internacional de menores e da qual o Brasil é signatário) pode saber mais de sua alma do que ele próprio. Para SérgioTostes, advogado da família brasileira, a permanência de Sean aqui não colide com o que diz a convenção, ao contrário do que argumenta a defesa de David.

"A convenção diz que não deve ser enviada para o Exterior a criança que manifesta que não quer ir. O erro crasso, fundamental, chocante, absurdo do juiz (da 16ª Vara Federal do Rio) foi se recusar a ouvir o menino", diz Tostes. Ele também esclarece que Sean nasceu nos Estados Unidos e foi registrado no consulado brasileiro. "É brasileiro nato." E resume: "O Brasil está abrindo mão de um cidadão brasileiro para entregá-lo a outro país. Pelas leis brasileiras e também americanas, ele será cidadão americano apenas quando estiver em território americano", explica o advogado

Segundo Leilah Borges da Costa, presidente da seção do Instituto Brasileiro de Direito de Família no Rio e advogada há 30 anos, não é usual levar uma criança para ser ouvida pelo juiz. "Mas este caso é um episódio muito especial. Sean sofreu o trauma de perder a mãe e sua maior ligação é com a irmãzinha brasileira", diz ela. "Tem de se levar em conta a dignidade do menino", diz Leilah. Para Adriene Barreto de Freitas, doutora em psicologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, é importante dar voz ao menino. "Não seria correto deixar sobre os ombros de uma criança a responsabilidade pela decisão final. Mas é preciso ouvir seus argumentos, suas vontades, seus sentimentos", afirma. O mínimo que se garante a qualquer ser humano.