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A cabeça do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, pode rolar a qualquer instante. Ele fez por merecer. Enquanto alfinetava só os ruralistas, não corria riscos e encontrava até uma certa simpatia no PT. Mas nos últimos dias também passou a atirar nos colegas de governo. E em público. Repreendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cobrou dele mais moderação, Minc voltou a atacar titulares de ministérios minutos depois da reprimenda do chefe.

Na quartafeira 3, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, um dos alvos preferenciais dessas críticas, negou o aperto de mão a Minc durante a solenidade do 7º balanço do PAC, no Itamaraty. "Não vou cumprimentar você", reagiu. "Eu ando dizendo por aí que você é viado, para você falar mal de mim?", disparou Nascimento. As autoridades presentes espantaram-se, mas não desaprovaram a truculência de Nascimento. Acontece que no governo todos estão cansados da língua descontrolada do ministro do Meio Ambiente.

"O Minc é um cara muito midiático e Lula não gosta quando ele critica os colegas", disse à ISTOÉ um ministro que despacha todos os dias com o presidente. "O Lula vai dar outra chamada forte no Minc, pois ele já passou do ponto." Apesar de estar com a corda no pescoço, o próprio Minc admite que não é de se enquadrar à compostura que o cargo exige. "Claro que às vezes eu extrapolo um pouco, é um estilo um pouco mais extrovertido do que se espera de um ministro", diz Minc. "Eu posso ser exótico."

Minc reproduziu para ISTOÉ a conversa que teve com o presidente Lula, na quinta-feira 28 de maio, quando lhe foi recomendado, com todas as letras, que não criticasse os colegas publicamente. Recomendação que, pelo visto, caiu no vazio. "O Lula me falou: ‘Minc, eu reconheço que tem que ter tensão mesmo, você brigou com o Blairo Maggi [governador de Mato Grosso e maior plantador de soja do planeta], fez um bom acordo, você brigou com o pessoal da soja e também fez um bom acordo, continue assim’", reproduziu o ministro. "Mas o Lula me disse: ‘Na questão dos ministros, vamos resolver internamente, senão você cria situações de não retorno’. Eu reconheci e me enquadrei." Só se foi na presença de Lula.

Poluindo o debate

"Fingem que são amiguinhos de vocês. Não confiem nesses vigaristas!"

Sobre os produtores rurais, ao falar para um grupo de ambientalistas

"Vários ministros combinavam uma coisa aqui (com Lula) e depois iam ao Parlamento, cada um com a sua machadinha, patrocinar emendas que esquartejavam e desfiguravam a legislação ambiental."

Sobre os colegas de Ministério, ao falar à imprensa depois de audiência com Lula

"O ministro Alfredo Nascimento, que vai concorrer ao governo do Amazonas, tem um prazo por causa da chuva e das empreiteiras."

Sobre reclamação do ministro dos Transportes de demora na concessão de licenças ambientais

INDOMÁVEL Lula pediu para Minc resolver os problemas de governo internamente, mas o ministro continua levando tudo a público

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VISÃO Inimigos acusam Minc de querer impor viés socialista

Minc não só não seguiu a orientação do presidente como imediatamente depois da conversa voltou a criar as tais situações de ‘não retorno’. O que foi a gota d’água para o governo. Ainda na porta do Centro Cultural Banco do Brasil, sede provisória do governo, ao dar sua versão sobre a audiência com Lula, ele abriu o verbo, sem qualquer piedade: "Vários ministros combinavam uma coisa aqui (com Lula) e depois iam ao Parlamento, cada um com a sua machadinha, patrocinar emendas que esquartejavam e desfiguravam a legislação ambiental."

Apesar da forte reação de Nascimento, o principal alvo de Minc é o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Minc o acusa de defender só os interesses do agronegócio. Na mesma quinta-feira 28, pela manhã, Stephanes tentou se reaproximar de Minc e o convidou para um "café orgânico" no CCBB.

Os demais convidados vestiam terno e gravata, mas Minc, que só usa coletes coloridos, dessa vez escolheu um modelo da fiscalização do Ibama exclusivo para operações contra desmatamento. "Quero parabenizar esses produtos orgânicos", ironizou Minc. "Pelo menos um programa do Ministério da Agricultura o ministro Minc elogia", rebateu Stephanes. "Produto orgânico é quando você compra um tomatinho um pouco pequeno, que não tem agrotóxico, esse que é bom", disse Minc. Os dois tiveram outros embates.

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No primeiro encontro, logo que Minc tomou posse, em maio do ano passado, Stephanes mostrou-se surpreso com o comentário do novo ministro do Meio Ambiente sobre a pauta agrícola: "Disso aí que vocês estão falando, eu não entendo nada, eu entendo é de mídia", disse Minc, que não é jornalista, mas geógrafo. Em novembro, Stephanes voltou a ser alvo de chacota de Minc, durante reunião com o Greenpeace. "Oi, Stephanes, fui lá visitar o governador Roberto Requião [do Paraná] e ele me disse que você já foi comunista", provocou Minc. "Nunca fui comunista", respondeu Stephanes. "Mas foi de movimento estudantil", insistiu Minc. "Eu fui estudante universitário e estive em quatro congressos da UNE", encerrou Stephanes.

Os ataques a Stephanes têm tudo a ver com a cabeça de Minc. Para ele, Stephanes é a ponte dos ruralistas com o governo Lula. E Minc tem verdadeira ojeriza aos ruralistas. Na quarta-feira 27, durante protesto da Contag, subiu no carro de som, pegou o microfone, no tom desabrido de sempre, e chamou os políticos ligados a produtores rurais de "vigaristas".

Pela contabilidade dos ruralistas, mais da metade da bancada pertence à base de sustentação do governo Lula, o que mostra o tamanho da encrenca que Minc criou para o presidente. "O Minc fechou de vez o diálogo entre os ruralistas e o governo. Ele usou um palavreado característico dele nos morros do Borel e da Rocinha com traficantes", disse o líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO). "Todos os agricultores estão indignados com o ministro", afirmou a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Kátia Abreu (DEM-TO), que também se sentiu ultrajada.

Como senadora, ela foi relatora do Orçamento da União deste ano e diz que aumentou os recursos para a pasta do Meio Ambiente. "O Minc está usando a questão ambiental para fazer uma revolução socialista-marxista", acredita a senadora. "Nós desmatamos, sim, mas esse desmatamento virou comida", diz a deputada ruralista.

Kátia explica que seu diálogo com Minc, agora, se dará na Justiça. Ela entrou com representação na Procuradoria- Geral da República e pediu à Comissão de Ética a demissão do ministro. "Com esse cidadão, não tenho mais condições de conversar", assegura. "Ele quer se fortalecer eleitoralmente tripudiando até em cima do presidente Lula." Na entrevista à ISTOÉ, Minc fez um mea-culpa. Recuou e afirmou que os ruralistas "não são vigaristas". "O que eu quis dizer é que eles estavam enganando os pequenos produtores, aterrorizando contra a legislação ambiental."

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MISS Manifestante é presa com machadinha e máscara de Kátia

Mas, se o assunto é Kátia Abreu, o ministro imediatamente retoma o tom sarcástico: "Se a Kátia fosse a presidente do Brasil, a gente não teria a bolsa-família, teria uma bolsalatifúndio", disse. "A camarada Kátia Abreu, uma pessoa muito decente, muito meiga, sentou aqui várias vezes, me deu um presente, que uso todos os dias no café da manhã, um prato giratório de capim dourado do Jalapão. Vou dar um presente a ela." Para Minc, a origem da crítica de Kátia é política. A senadora, diz ele, tentou cooptar uma parcela dos pequenos agricultores para conseguir mudanças no Código Florestal, mas o Ministério do Meio Ambiente saiu na frente, negociou com os sem-terra e derrubou a estratégia da CNA.

Embora haja exemplos fartos, Minc nega que alimente divergências dentro do governo. "Eu não tenho nenhum problema pessoal, político ou ideológico com nenhum ministro, eu sou ministro do presidente Lula." No Ministério dos Transportes, porém, há quem discorde. O diretor-geral do Dnit, Luiz Antônio Pagot, atribui a motivo "tipicamente ideológico" a demora na licença da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), uma das principais obras do PAC.

"Não tem um milímetro a ver com preservação ambiental", explica Pagot. Mas Minc avisa que não vai liberar obras por pressão. "Eu licenciei 90% das obras do ministro Alfredo Nascimento", garante Minc. "Se ele cumprir as exigências ambientais, ele tem a licença, se não cumprir as exigências ambientais, ele não tem a licença."

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RREVERENTE Minc diz que fica no cargo, pois Lula gosta de seu humor

Autor da denúncia de que o Ibama estava postergando a cobrança de uma multa milionária do frigorífico Bertin, o deputado Luciano Pizatto (DEM-PR) também se considera perseguido pelo ministro Minc. Na segunda-feira 1º de junho, mais de 200 homens do Ibama e da Polícia Federal ocuparam a madeireira da família de Pizatto no município de General Carneiro (PR), administrada pela esposa do deputado. "Eu, que fui diretor de parques nacionais, estou vivendo um inferno astral, pois começou a ser montada a minha destruição depois que denunciei a multa do boi pirata", diz Pizatto. "O Estado policialesco é a coisa mais grave que acontece nesse País hoje." Minc nega qualquer perseguição. "Meu Deus do céu, eu nem sabia que ele tinha feito essas denúncias", diz. "Pelo que sei, é uma ação que vem sendo planejada há mais de três meses."

Atento às ações espalhafatosas do seu ministro, o presidente Lula tomou iniciativas para desconcentrar a política ambiental da pasta de Minc, encomendando estudos e grandes projetos a outras pastas. O ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, levou a Lula, no ano passado, cópia de uma proposta de medida provisória legalizando as propriedades na Amazônia, que foi aprovada no Senado. Mangabeira prepara outros projetos para o meio ambiente, especialmente na Amazônia.

Excluído Em breve, Lula anunciará um grande projeto para a Amazônia sem a participação de Minc

Os ambientalistas ligados a Minc diziam que a MP ia favorecer grileiros. "Chamá-los de grileiros é como chamar de grileiros os que ocuparam ou construíram os Estados Unidos e a Austrália", compara Mangabeira.

Nos próximos dias, Lula anunciará o que pode ser um dos maiores projetos para preservar a Amazônia, fora da pasta de Minc. O governo vai liberar financiamentos para a implantação de criadouros de peixes nos nove Estados do Norte, para estimular a economia e preservar o meio ambiente. O projeto está sendo finalizado pelo ministro da Pesca, Altemir Gregolim. O objetivo é liberar ainda este ano R$ 300 milhões para a criação de peixes nativos.

Nos próximos três anos, os investimentos totais podem chegar a R$ 1,7 bilhão. Os pequenos criadores de gado da Amazônia também receberão empréstimos para investir em peixes e mudar a base econômica da região. "Este é um projeto aprovado pelos ambientalistas e pelo agrobusiness", comemora Gregolim. De fato, o projeto foi aprovado por todos os ministérios.

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Alheio ao clima tenso e carregado em torno de si, Minc avisa que não vai abrir mão de suas ações. Estratégia que, em alguns casos, vem dando prejuízos financeiros ao governo. Em novembro, Minc invadiu a propriedade do fazendeiro Haroldo Uemura por engano, no município de Luiz Eduardo Magalhães (BA), e confiscou maquinário, segundo reportagem de Dinheiro Rural , publicada em dezembro. A Operação Veredas tinha como fim identificar propriedades que ocuparam o Parque Nacional Veredas Tropicais, distante oito quilômetros das terras de Uemura. O fazendeiro exige a reparação dos danos.

Na quinta-feira 4, véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, Minc advertiu os ruralistas, durante audiência pública na Câmara, que eles podem pedir seu "pobre pescocinho", mas que sua resposta será "intensificar a luta" contra o desmatamento. "Tem muita gente querendo tirar uma picanha do Carlinhos Minc", disse. À ISTOÉ, porém, Minc revelou que assumiu com o presidente Lula o compromisso de se comportar com mais prudência. "Eu vou tentar ser mais moderado, mas sem abrir mão dos meus princípios", explicou.

"E meus princípios são o não desmatamento, não licença sem critério, não cedente a pressões políticas para licenciamento." Minc prevê que dificilmente cairá por pressão dos ruralistas. "O Lula gosta de mim porque está caindo o desmatamento, aumentando o licenciamento, e ainda tenho bom humor, eles podem tirar o cavalinho da chuva", diz. "Vou ficar até o último dia do governo." Pode ser, mas na quinta-feira 4 corriam rumores em Brasília de que Lula só não demitiu Carlos Minc no Dia Mundial do Meio Ambiente porque haveria repercussão internacional.