Se a sua namorada, mulher ou mesmo um amigo chamar você de “homem das cavernas”, não se ofenda. Eles não sabem o que falam, assim como durante um século e meio a ciência também não soube. Grandes, brutos e estúpidos, feios e trogloditas, peludos, muito peludos – esse foi sempre o perfil que se traçou dos ancestrais humanos pré-históricos. Para diretores de cinema, escritores e até rigorosos estudiosos do tema, o homem das cavernas era tão selvagem quanto os animais que ele caçava. Mas a ciência começa agora a mudar de opinião e a provar o contrário através de novas pesquisas que revelam que esse nosso ancestral, o chamado homem de Neandertal, era muito mais sofisticado do que se imaginava. Ele está reabilitado e isso ocorre num momento especial: em 2006 se comemoram 150 anos de sua descoberta na Alemanha, no Vale do Neander – daí o nome Neandertal. E é justamente para livrá-lo da pecha de troglodita que os diretores do Museu Neandertal, também na Alemanha, reuniram especialistas dos mais importantes centros de pesquisa da Europa e dos EUA. O resultado do trabalho dessa equipe coloca aqueles brutamontes da Idade da Pedra num grau de sofisticação próprio do homem moderno. O cientista Gerd Weniger, diretor do museu, vai além. “Vestidos com ternos de risca de giz e com jornal sob o braço, os neandertais passariam despercebidos num metrô.”

É evidente que os Homo neanderthalensis, nome científico desse nosso primo que habitava principalmente a Europa há cerca de 40 mil anos, não eram tão refinados quanto os Homo sapiens, grupo a que pertence a espécie humana atual. Mas a verdade é que eles estavam longe de se comportar como bestas-feras. Hoje, diversos especialistas já afirmam inclusive que os neandertais se comunicavam. E faziam uso da linguagem. Há quem resista a essa tese e diga que a posição da língua na boca desses homens e a relação entre as suas cavidades nasais e a passagem do ar os impediria de produzir os sons das vogais “a”, “i”, “u” e de consoantes como “k” e “g”. Vale lembrar, contudo, que há ainda algumas línguas que pouco se utilizam de vogais. Além disso, há o aspecto anatômico: o osso hióide (localizado na base da língua e unido à laringe, fundamental para a emissão de sons) dos neandertais é idêntico ao do homem contemporâneo. Mais ainda: em alguns sítios arqueológicos, pesquisadores encontraram alguns instrumentos similares a flautas e outros com adornos entalhados em ziguezague – o que leva à suposição de que eles também se expressavam pela música e pela arte. Também chama a atenção o método de fabricação de suas armas: a ponta das lanças era feita com pedras pontiagudas e fixadas com betume ao dardo de arremesso. Para fabricarem essa substância (o betume), os neandertais teriam de dominar a técnica de aquecimento a vácuo da casca de bétula a mais de 300 graus Celsius. Ou seja, de bárbaros eles não tinham nada.

A disputa científica em torno das aptidões do homem de Neandertal começou no
dia 9 de setembro de 1856, data em que seus vestígios foram desenterrados da gruta de Feldhofer, próxima à cidade alemã de Mettmann. No início, achou-se que
a ossada era de um homem americano que ali morrera, mas essa tese não resistiu ao veredicto do professor Johann Carl Fuhlrott, um dos antropólogos mais conceituados do mundo. Para ele, os fósseis pertenciam a um parente humano
da era glacial. Foi como se o seu parecer “reinventasse” a humanidade: era a prova que Charles Darwin tanto buscara para concluir a sua Teoria da Evolução
das Espécies. Ao comprovar que um animal pode se transformar em outro para
se adaptar às mudanças do ambiente e sobreviver, Darwin ditou as regras para
as pesquisas científicas nessa área. De lá para cá, os paleontólogos buscam vestígios das espécies anteriores ao Homo sapiens na tentativa de recompor a cadeia evolutiva humana.

O conhecimento humano marcha a passos largos para a frente quanto mais consegue olhar para trás e avistar algum primo na fila da cadeia evolutiva. E foi assim que, recentemente, na região de Adis-Abeba (capital da Etiópia), a análise de dentes e ossos ali encontrados revelou a existência de um novo ancestral humano. Batizado de Australopithecus anamensis, ele viveu há cerca de 4,2 milhões de anos e passa a ser o elo que faltava na trilha histórica que começa com o Ardipithecus ramidus, um macacão de 4,5 milhões de anos que mal parava em pé, e termina com o Homo sapiens – ou seja, conosco. O que ainda é um mistério é se nós nos transformamos naquilo que hoje somos a partir de nossos ancestrais ou se ocorreu um processo de separação de diferentes linhagens que coexistiram no planeta em tempos remotos. Essa dúvida é importante para a ciência. Mais importante, porém, é termos descoberto o nosso elo perdido e termos sido apresentados a novos parentes tão distantes.