Observe quão especial é esse país chamado Brasil. Não precisa recorrer às fantásticas histórias de mensalões e cuecas de dólar para checar essa peculiaridade das facetas tipicamente brasileiras. Faça o caminho do dinheiro, mais especificamente do orçamento da União – essa conta geral, e muitas vezes generosa, do que se gasta e como se gasta por aqui. Perceba: o orçamento não é apenas uma peça de ficção, como muitos o batizaram à época da inflação, dado que tudo que era previsto ali não se concretizava pela simples corrosão monetária. Na versão 2006, ele simplesmente não existiu até meados de abril. É isso mesmo: o Brasil veio passando até aqui na base do gasto sem controle e sem aprovação. O risco dessa situação impensável é que se pode descambar tanto para um furor de liberação de verbas sem planejamento como para uma contenção de despesas vitais com educação e saúde, que dependem das alocações aprovadas. O que é o orçamento no padrão negociado hoje em dia? Por incrível que possa parecer, ele se converteu em um mero objeto de barganhas políticas. Serve ao acaso de acordo entre parlamentares, entre Estados e municípios e de todos eles com o governo federal. Como conseqüência do nó orçamentário, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a romper unilateralmente o acerto que firmou com nove governadores estaduais para um aumento do repasse da União aos Estados a título de compensação por perdas passadas. Alegou o atraso na votação da peça maior, o orçamento, pelo Congresso. E assim, ato contínuo dessa ruptura, tratou de destravar outros R$ 24,4 bilhões em forma de medida provisória para o que classificou como despesas urgentes do Executivo. É bem provável que muitos desses gastos possam se encaixar de fato na rubrica de urgência, mas o País também não está livre de observar uma série de desembolsos sem critério neste generoso bolo. Tudo porque a maioria parlamentar resolveu que a tal peça orçamentária não poderia ir mesmo além da condição de obra de ficção. Na terça-feira passada, os congressistas voltaram atrás: votaram o bendito orçamento. Mas, claro, como não podia deixar de ser, trataram de espetar mais alguns gastos políticos – vitais em tempos de eleição.