Dois mil e dez bate à nossa porta, e entre seus muitos eventos, está a 19ª Copa do Mundo, a primeira a ser disputada na África. O Brasil de Dunga classificou-se com folga nas eliminatórias, mas não sem passar pelo bombardeio aéreo da imprensa, em sua maioria contrária a métodos e ao temperamento do ex-jogador gaúcho. Ninguém pode negar, no entanto, seus méritos de moralizador do ambiente da Seleção e de treinador disciplinado e com visão.

O futebol do mundo todo está bem nivelado, dizem os entendidos. Concordo e acrescento: por baixo. Arrisco dizer que a última Copa foi a mais triste de todos os tempos, se bem que a de 2002 não foi lá muito diferente. Não estou contabilizando a de 90, que me recusei a assistir em sinal de repúdio àquele time de escritório. Chamam a atenção hoje os discursos de técnicos e jogadores, todos tomados por uma espécie de “complexo de Jimmy Swaggart”, com expressões ensaiadas de entusiasmo e um certo mantra marqueteiro de otimismo e humildade.

Ora, se palestra de neurolinguística ganhasse Copa, os americanos já seriam no mínimo tricampeões do mundo. Minha primeira Copa do Mundo foi a de 74. Apesar de ter craques do calibre de Rivelino, Edu, Paulo César Lima e Ademir da Guia, aquela Seleção Brasileira era um time sem maior encanto. Encantado mesmo fiquei naquela Copa foi com a Polônia do goleiraço Tomazewsky e do arisco Lato e com o “carrossel holandês” de Cruyff, Neeskens e Rosenbrink – ambos times apaixonantes.
 
De lá pra cá, o futebol tornou-se um negócio milionário, que envolve cifras cada vez mais astronômicas e negociatas não raro sórdidas, e parte desse encanto juvenil que rodeava o futebol se perdeu. De todos os esportes, coletivos ou não, o futebol talvez seja o mais lúdico, e não é à toa que tem o curioso sinônimo de “ludopédio”. A máxima “futebol é uma caixinha de surpresas” também não nasceu à toa. Mais que qualquer outro esporte, ele é imprevisível, permite que times infinitamente fracos superem os mais fortes ou que um único jogador, às vezes em uma fração de segundos, ungido pelo espírito santo dos gramados, resolva uma partida num lance genial ou num lance de sorte.
 
A Seleção de 82 foi a mais próxima da perfeição que eu vi jogar. Dirão alguns que seu grande pecado foi não vencer. Pois a Seleção de 94 foi campeã com um futebol nada belo, resolvido pelo talento individual de uns dois ou três jogadores especiais. O título de campeão não me ofuscou a ponto de eu considerar aquele um bom time, assim como a derrota de 82 também não me convenceu de que aquela era uma equipe “perdedora”. Nisso também reside a poesia do futebol. Dentro do retângulo mágico do campo, não há espaço para lógicas e estratégias infalíveis, nem prognósticos fatais. O futebol é – perdoem o clichê ufanista, mas verdadeiro – um de nossos maiores trunfos. Ele e nossa diversa música popular. Porque ambos são símbolos de invenção, de criatividade, da originalidade única do povo brasileiro. Ganhar uma Copa do Mundo é algo que pode ser bastante simbólico, que pode ensinar ao mundo muita coisa. Até sinalizar novos tempos, para o futebol sim, mas não só.
 
Se ganharmos com um futebol ralo, burocrático, o recado que daremos é: “o importante é ganhar, não importa como!”. Mas, se ganharmos com o talento (e a irreverência) que nos legaram todos os nossos incontáveis artistas da bola – de Sócrates a Canhoteiro, de Reinaldo a Rivaldo –, ensinaremos que ainda é possível viver a vida com alguma paixão, com aquela alegria juvenil das peladas de rua, em que um gol equivalia ao instante mais alto e sublime de nossa existência.
 
Zeca Baleiro é cantor é compositor