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DISTÂNCIA Alexandre tentará nova aproximação com o pai, entregando-lhe seu convite de casamento

 

Estão na mesa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes autos que, dependendo do rumo que o magistrado der a eles, poderão representar uma revolução na questão dos direitos e deveres na criação de filhos no Brasil. O STF terá de decidir, pela primeira vez, se um filho que não recebeu afeto do pai tem direito a uma indenização por danos morais. O caso é do analista de sistemas mineiro Alexandre Batista Fortes, 27 anos. Em 2000, depois de anos sem a presença do pai e de infrutíferas tentativas de aproximação, o jovem recorreu à Justiça mineira, que condenou o pai dele, o engenheiro Vicente Ferro de Oliveira, a pagar 200 salários mínimos (R$ 52 mil, na época) por falta de carinho, apoio moral e atenção. Vicente reverteu a decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2006. No final do ano passado, o caso seguiu para o STF, que, banco dos REUS E segundo a assessoria do órgão, dará o parecer final este mês.

Desde que se separou da mãe de seu filho, o engenheiro honrou o pagamento da pensão alimentícia. Mas faltava a Alexandre alimento para a alma: afeto. Ele reclama que o pai passou a ignorálo a partir dos sete anos, após o nascimento de uma filha do segundo casamento. João Kumaira, advogado de Vicente, alega que o afastamento se deu quando seu cliente passou a trabalhar fora do País, em 1995, e que Alexandre complicou a situação ao se opor a um pedido do pai de revisão da pensão alimentícia, há dez anos.

Segundo Rosimeri, o pai de sua filha Daniela (à esq.) não pagou a indenização de R$ 59 mil determinada pela Justiça

Alexandre ressalta que se formou na faculdade graças ao dinheiro da pensão. “Mas filho não é só dinheiro. O que me chateia é o fato de meu pai só ter me enxergado como uma despesa”, reclama. “Aos 13 anos, fui a São Paulo para encontrá-lo e, no aeroporto, a secretária dele me disse que ele não me receberia.” Para a psicóloga Magdalena Ramos, coordenadora do núcleo de terapia de casal e família da Pontifícia Universidade Católica (PUC), a Justiça não é o meio para conquistar carinho. A psicanalista Tânia Coelho dos Santos concorda: “Afeto não se impõe. A Justiça vai longe demais, já que é uma exorbitância obrigar um homem a amar uma criança que não desejou”, diz a professora de pós-graduação em teoria psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O afeto, porém, sentou de vez no banco dos réus depois do caso de Alexandre. Já há histórias semelhantes no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e em São Paulo. O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que defendeu o analista de sistemas, conta que uma centena de pessoas o procurou, interessadas no mesmo encaminhamento. Pereira diz ter recusado todos os pedidos por identificar interesses financeiros nos casos. “É preciso tomar cuidado para que não pensem que se quer monetarizar o afeto”, diz o advogado, para quem a indenização, mais do que punitiva, tem função educativa. Não é possível coagir um pai ou uma mãe a amar um filho, mas, segundo Pereira, à sociedade cumpre o papel solidário de dizer aos pais, de alguma forma, que isso não é correto e pode comprometer a formação e o caráter das pessoas afetivamente abandonadas. “A única sanção é a reparatória”, diz ele.

Alexandre, que passou dez anos em terapia, conta que, depois de acionada a Justiça, o pai se sentiu traído e se afastou mais ainda. O advogado Domingos Sinhorelli Neto, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio Grande do Sul, afirma que alguns dos dez processos por abandono afetivo abertos por ele tiveram final feliz. Cita o caso de uma estudante de enfermagem de 19 anos, que ganhou do pai, na Justiça de Canoas (RS), uma indenização de R$ 18 mil, em 2005. “Os dois se reaproximaram, visitam a casa um do outro e passam finais de semana juntos”, conta Neto.

Já Rosimeri Almeida Josefina, 32 anos, outra cliente do advogado, diz que sua filha, Daniela Josefina Afonso, hoje com 13 anos, não recebeu do pai, Daniel Viriato Afonso, secretário de Finanças de Araranguá, em Santa Catarina, a indenização de R$ 59 mil que a Justiça ordenou. Condenado em 2005 por não acompanhar o crescimento da filha, Daniel, segundo Rosimeri, diz que só se reaproximará de Daniela se o processo for retirado. Ela pensa em ceder, pois sofre ao perceber que a filha a considera culpada pelo afastamento do pai com a abertura do processo. Daniel não retornou as ligações de ISTOÉ.

Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Isabel Cristina Gomes ressalta que é muito recente para o pai, historicamente vinculado à figura do provedor, assumir o papel que sempre foi da mãe, o do cuidado afetivo. “Se o pai supre as carências materiais do filho e não lhe dá carinho, sinto muito, mas não é o juiz quem vai resolver isso. O filho deve buscar outros caminhos, como um psicólogo ou um psiquiatra”, diz ela. Alexandre não desistiu de sua luta: quer o amor do pai. Em outubro, irá se casar e diz que vai entregar pessoalmente o convite para Vicente. “A vida ainda pode ser diferente para nós dois… ele não me conhece e eu não o conheço”, diz o jovem.