PALIATIVOS Além de se preocupar com a construção de complexos como o da Vila Olímpica, o governo chinês está criando cinturões verdes

A pouco menos de cinco meses do início dos Jogos Olímpicos, os indicadores ambientais da China são alarmantes. Partículas geradas pela construção civil cobrem 100 milhões de metros quadrados em Pequim, 25% do litoral do país está impregnada de elementos químicos e a frota de automóveis, um dos maiores motivos de poluição da capital, aumentou em 400 mil veículos no ano passado. Essas condições preocupam atletas e treinadores. Alguns até já anunciaram sua desistência de provas mais longas, como foi o caso do recordista mundial da maratona, o etíope Haile Gebrselassie, que sofre de asma. “A poluição na China é uma ameaça à minha saúde”, justificou-se. No lugar dos 42 quilômetros, ele vai correr a prova dos 10 mil metros.

Apesar desse cenário, o governo chinês mantém o compromisso de fazer o evento esportivo digno do título “Olimpíada Verde”. Para isso, está investindo US$ 10 bilhões em iniciativas inovadoras, como a instalação de uma área com 680 hectares de vegetação na zona norte da cidade. Também serão usados outros expedientes. Durante as competições, milhares de carros serão proibidos de circular e as indústrias, movidas principalmente a carvão, não vão funcionar ou diminuirão sua atividade.

Pequim é uma das cidades mais poluídas do mundo. A maioria de seus 12 milhões de habitantes já se acostumou à névoa acinzentada que encobre a luz do sol. Mesmo assim, é comum ver pessoas usando máscaras de oxigênio nas ruas. Para os competidores, a atmosfera da cidade é um adversário a mais para alcançar o pódio. Os atletas da delegação brasileira de tae kwon do estiveram na capital chinesa no início de março e sentiram os efeitos da poluição. “Tive sangramento no nariz, a garganta fechou, senti dificuldade de respirar”, conta o paulista Márcio Wenceslau. Sua colega de equipe, a gaúcha Débora Nunes também reclama. “Ficamos espantados. Além do sangramento, senti uma queimação no peito.” Ambos dizem que ao fim de cada sessão de treinamento sentiam cansaço maior que de costume. Os dirigentes e atletas do remo tentam se antecipar para evitar problemas. “Se identificarmos em algum atleta qualquer suscetibilidade respiratória vamos fazer ações médicas de prevenção”, diz Julio Noronha, coordenador técnico da Confederação Brasileira de Remo. A situação é ainda mais preocupante porque, pela primeira vez, as provas de remo serão realizadas à tarde, quando os efeitos poluidores são mais fortes. “Pensamos até em usar máscaras antipoluição.”

AR SECO Márcio Wenceslau: lutador de tae kwon do teve sangramento no nariz

O governo chinês desenvolve um esforço gigantesco para fazer os problemas ambientais caírem a níveis suportáveis. Desde que a candidatura de Pequim foi aprovada pelo Comitê Olímpico Internacional, em 2001, um batalhão de cientistas, arquitetos e ambientalistas foi convocado a planejar soluções. Eles sugeriram a criação de cinturões verdes, maior rigor nos padrões de emissões de gases poluentes e a inauguração de novos parques. Seguindo essa orientação, o governo desapropriou mais de 300 mil pessoas para construir a Floresta Olímpica, a maior área verde da cidade. Alí, foram instalados o Estádio Nacional e o Centro Aquático Nacional, além de um conjunto de prédios, que depois dos Jogos vão se tornar moradias de luxo. “Seguindo o plano à risca, deveremos atingir a meta de qualidade do ar para os Jogos”, acredita o oficial da Agência Estatal de Proteção Ambiental, Wang Jiang. Em fevereiro, as autoridades registraram uma melhora no índice Blue Sky (Céu Azul), que monitora a qualidade do ar.

O oceanógrafo David Zee, professor da Universidade do Rio de Janeiro, nasceu em Hong Kong (hoje integrante do território chinês) e frequentemente vai à China para fazer estudos do meio ambiente. Ele elogia as providências do governo chinês, mas acha que não serão suficientes para garantir um resultado satisfatório. “Por muitas décadas, a China descuidou do problema da poluição. Isso não pode ser resolvido agora, de uma hora para outra”, afirma Zee. Aos que viajarem à capital chinesa, ele avisa: “Preparem-se. Os olhos vão lacrimejar e o nariz vai arder.” Ou seja, a Pequim de sempre.