Pela oitava vez em 12 anos, as tropas do Exército ocuparam favelas e vias expressas do Rio de Janeiro. Desta vez, porém, a operação é diferente. Os cariocas assistem à mais ousada ação das Forças Armadas contra o crime organizado de que se tem notícia. Dez favelas, nove bairros e quatro rodovias passaram a semana tomados por 1.600 soldados, um contingente com 400 homens a mais do que o enviado pelo Brasil ao Haiti. E, ao contrário do que apregoam os opositores da ação, não se trata de militares despreparados para operar em conflitos urbanos. Muitos deles são recém-chegados da missão da ONU naquele país, onde estavam exatamente para garantir a ordem pública. O perfil dos militares selecionados demonstra que, por trás da ocupação, existe algo que vai além do mero cumprimento de uma ordem judicial expedida para que o Exército recupere os dez fuzis e uma pistola que lhes foram roubados na madrugada da sexta-feira 3.

A cidade está cercada por terra, mar e ar. A população aprova a ocupação verde-oliva, o número de crimes diminuiu em 60% nos bairros periféricos e o de ligações para o Disque-Denúncia aumentou em mais de 100%. Encurralado, o tráfico de drogas deixa de fazer negócios e perde armamento e munição pesados a cada incursão. Esses bons resultados estimulam militares de alta patente a fornecer pistas sobre os reais objetivos do Exército: fincar efetivamente trincheiras nos morros cariocas. Não mais apenas uma missão temporária, como foi na ocasião da Rio 92. Para o general Carlos Eduardo Jansen, que liderou a primeira mobilização do Exército há
14 anos, o que interessa é a gravidade do fato. “É preciso mostrar que o Exército ainda é a última instância da ordem pública¨, diz ele. “A motivação dessa mobilização é moral.”

O problema é que traficantes têm ousado disparar contra os militares e uma reação à altura poderá ser perigosa para os moradores dos morros. A operação, comunicada com antecedência à governadora Rosinha Matheus, considera esse risco. “Uma de nossas principais preocupações é atuar dentro da legalidade e com respeito aos direitos humanos”, afirma o coronel Fernando Lemos, relações-públicas do Comando Militar do Leste. Em Londres, o presidente Lula saiu em defesa da ação das tropas no Rio: “O Exército tem de recuperar o que é seu.” Informado do roubo e do contra-ataque pelo ministro da Defesa, José Alencar, e pelo comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, Lula disse que vai acompanhar de perto a movimentação de tropas quando chegar ao Brasil. A decisão desperta polêmica quando se fala em custos, financeiro e humano, e desconfiança. Diante do número de homens usados e das tropas que estão de prontidão em Goiânia, Brasília e Belo Horizonte, fontes militares comentam que o número de armamentos roubados poderia ser maior do que o divulgado oficialmente. O antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública, não rechaça a hipótese. “Vejo motivo para suspeitar que as informações divulgadas não sejam exatas, algo mais deve estar guiando as ações do Exército”, afirma.

O trânsito de urutus e as cenas de barricadas nas ruas perto de grandes favelas vão continuar por tempo indeterminado. O comandante do Exército, general Albuquerque, avisa: “As armas roubadas de nossos quartéis não podem continuar em mãos dos criminosos. Isso não é bom para a sociedade. Vamos manter a pressão.” Até a noite da quinta-feira 9, nenhuma arma roubada dos militares foi recuperada.