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O governador Mário Covas nunca admitiu a possibilidade de reivindicar indenização financeira do Estado como forma de reparação aos dez anos em que teve os direitos políticos cassados pelo regime militar. Ele argumentava que todas as opções tomadas na vida foram feitas de forma consciente e que sabia exatamente quais eram os riscos que corria ao se posicionar contra a ditadura. Entendia que a cassação pelo AI-5, em 1969, quando liderava a bancada oposicionista na Câmara dos Deputados, foi o preço que precisou pagar por se manter fiel a seus princípios. Pois bem, quase sete anos depois de sua morte, a família de Mário Covas resolveu rasgar o roteiro de coerências que pautou a vida do político paulista. Na quinta-feira 13, o jornalista Ricardo Boechat, colunista do jornal O Dia, informou que dona Lila Covas, viúva do governador, entrou no Ministério da Justiça com um processo pedindo R$ 4,7 milhões de indenização por danos morais e materiais em razão da cassação e da prisão, também em 1969. Aos 72 anos e com a saúde debilitada, a participação de Lila neste episódio é apenas protocolar. Quem tomou a decisão em nome da família e tem acompanhado o processo é Mário Covas Neto, conhecido como Zuzinha, filho mais novo do governador, que conhecia como poucos a coerência do pai. “Só entramos com o processo porque ele não está mais vivo”, disse Zuzinha à ISTOÉ. No Ministério da Justiça, o processo número 60.345 encontra-se no setor de análise e não há data prevista para o julgamento.

“Decidimos entrar com a ação quando percebemos que diversas pessoas conseguiram. É um direito que cada um deve correr atrás se julgar necessário”, explica Zuzinha. Enquanto esteve vivo, o governador nunca julgou isso necessário. Mário Covas respirava política e entrou para a vida pública em 1961, quando foi candidato derrotado à Prefeitura de Santos, sua cidade natal. No ano seguinte conseguiu eleger-se deputado federal, pelo PST. Em 1968, Covas era o líder da bancada de oposição na Câmara e em 1969 foi cassado e preso. “Não tinha nenhuma informação sobre meu marido, mas Maluf era amigo dos militares e com apenas um telefonema descobriu que o Mário estava preso na Base Aérea de Cumbica. Fui para lá e só saí depois de falar com ele. Naquele período, passamos por dificuldades financeiras e costurava roupas para vender”, escreveu Lila Covas em seu livro Lila Covas, histórias e receitas de uma vida, no qual narra duras passagens da família. Com a anistia, em 1979, Covas voltou para a vida pública. Foi eleito deputado federal, senador e duas vezes governador de São Paulo. Morreu, vítima de um câncer, em março de 2001.

Segundo Zuzinha, a família de Covas não tem passado por restrições financeiras e não é o interesse econômico que motiva o processo. “O valor que solicitamos é resultado de cálculos feitos com base no que diz a lei”, afirma. De acordo com o filho do governador, Covas poderia ter sido presidente da República, caso não tivesse a carreira política interrompida. Em seu livro, Lila relata histórias de um pai muitas vezes ausente, totalmente absorvido pela política. No entanto, ao contrário do filho, ela não credita isso à ditadura, e sim à opção feita pelo marido pela vida pública. “Meus filhos viam as outras crianças apagarem a velinha do bolo ao lado do pai. Ficavam observando os pais levarem os filhos para escolherem os presentes. Mário, por sua vez, nunca fazia isso. Era quase uma visita em casa.”