Ao longo da história das condenações à morte, instrumentos e métodos foram se sucedendo e se sofisticando, sempre com a mesma justificativa denominada hipocritamente de humanização das penas – como se a perversidade estivesse no meio, não no ato em si de o Estado se dar o direito de matar. O raciocínio é o seguinte: o método novo é menos desumano que o antigo. Foi assim que se criaram, por exemplo, a guilhotina, a cadeira elétrica, a câmara de gás e, sobretudo, a injeção letal – meio de execução mais empregado hoje nos EUA, onde nos quatro primeiros meses de 2006 morreram 12 condenados. Na semana passada, foi a vez de a própria injeção letal ir para o banco dos réus e ser condenada como “cruel e desumana”. Assinou essa sentença o juiz Malcolm Howard, do Estado da Carolina do Norte. Com isso, ele suspendeu a execução de Willie Brown Jr., que em 1983 assassinou o dono de um empório que acabara de roubar.

A injeção letal é um conjunto de três drogas, que são aplicadas, uma a uma, de forma endovenosa e através de três seringas distintas: tiopental sódico (seda levemente o condenado), brometo de pancurônio (paralisa o diafragma e os pulmões) e cloreto de potássio (pára o coração). Na verdade, há tempo que essa forma de execução vem sendo questionada, mas só agora um juiz a derrubou. Como a pessoa é levemente sedada e tem os músculos paralisados antes de morrer, as testemunhas da execução acham que ela não sofre – e também não correm o risco de testemunhar, por exemplo, fumaça saindo pela cabeça de condenado, como já ocorreu com a cadeira elétrica. Assim, a injeção letal é mais humana, mas somente para quem testemunha o “espetáculo”, não para quem vai morrer – médicos dos EUA já atestaram que se trata de um dos mais doloridos meios de “produzir morte”. O executado estoura de dor, mas exteriormente se vêem apenas algumas contrações musculares.

A decisão do juiz Howard, que poupou diretamente o prisioneiro Willie, pode poupar também outros condenados à injeção letal em todo o território americano. Ao condenar o meio de morte, o juiz pode obter concretamente aquilo que de fato deseja – interromper mais uma vez as execuções nos EUA. Isso já aconteceu no passado por decisão da Suprema Corte e o poder de executar só foi devolvido aos Estados, por esse mesmo tribunal, em 1976 – desde aquele ano até 2002, somente no Texas 290 condenados foram mortos pela injeção no sombrio endereço Huntsville Unit, prédio 1835, conhecido como a “câmara da morte”. Atualmente, 36 Estados americanos (total de 51) usam a injeção criada em 1977. Com a ordem do juiz Howard, no entanto, seus dias podem estar contados – e deixarão de ser contados outros dias, os que restam de vida aos cerca de 3,5 mil prisioneiros dos corredores da morte dos presídios americanos.