O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, é um homem que fala pouco. Prefere agir, e silenciosamente. Na quarta-feira 19, ele recebeu ISTOÉ em seu gabinete para a primeira entrevista exclusiva desde que ingressou no Supremo Tribunal Federal com a devastadora denúncia contra os “40 do mensalão”. Souza repetiu à exaustão que, até agora, não há nada que possa envolver o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no escândalo. Mas admitiu que Lula não está livre de virar alvo.

ISTOÉ – O sr. segue acreditando que não há nada que possa envolver
o presidente?
Antonio Fernando de Souza –
Em todo esse período de investigação não há no inquérito uma única afirmação de que o presidente da República tenha participado de qualquer um desses episódios. Não apareceu nenhuma testemunha, nenhum depoimento, e eu li todos eles. Não há uma referência sequer. Acho que há uma frustração de quem gostaria de ver também o presidente responsabilizado, mas
num procedimento penal eu tenho que ter elementos mínimos para fazer uma investigação, e muito mais para denunciar.

ISTOÉ – O publicitário Duda Mendonça confessou que dinheiro de caixa 2
pagou dívidas da campanha de Lula. E a denúncia do sr. demonstra que o
caixa 2 teve dinheiro de corrupção.
Souza –
Nessa questão, o quadro não está totalmente fechado. Agora, com
relação à campanha do presidente, isso não está incontroverso. Todo o
episódio surge a partir de 2003.

ISTOÉ – Mas dinheiro do valerioduto quitou dívidas remanescentes.
Souza –
A utilização (de caixa 2) na campanha X ou Y é algo que não ficou completamente resolvido. O inquérito tem centenas de contas que eu ainda
estou examinando.

ISTOÉ – Quer dizer que a investigação ainda poderá revelar novos fatos?
Souza –
Por que razão não costumo antecipar esses dados? Poderia dizer que
vou investigar e provavelmente vou encontrar alguma coisa. Mas pode acontecer
de eu não encontrar. Por isso, nessa primeira etapa, foi muito melhor eu não ter falado nada e mostrar, depois, o resultado do que apurei. Não vai demorar muito
e nós vamos trazer outros elementos.

ISTOÉ – O presidente pode responder pelo uso de caixa 2?
Souza –
Vai ser tudo analisado. Até agora não há indicação de envolvimento do presidente. Mas os fatos não estão sendo analisados só na perspectiva da
denúncia que foi apresentada. A peça não fala em crimes eleitorais. Procuramos
dar ênfase a ilícitos contra a administração. As outras perspectivas ainda vão
ser discutidas.

ISTOÉ – O que se pode esperar da segunda etapa da investigação?
Souza –
Algumas pessoas que não constam da denúncia hoje, mas que são conhecidas, estão sendo investigadas.

ISTOÉ – Quando sai a próxima denúncia?
Souza –
O mais breve possível eu vou dar o encaminhamento. Gostaria que tudo ocorresse antes da eleições, mas não depende só de mim.

ISTOÉ – Com a denúncia do mensalão, o Ministério Público sai fortalecido na
briga para ter poder de investigação?
Souza –
O desejo da sociedade é esse. O caso em si é importante porque o Ministério Público agiu como a sociedade quer que ele aja, com a discrição e a determinação que tem que haver, estabelecendo prazos de conclusão, não noticiando providências e apresentando apenas resultados. Esse é o meu estilo
e acho que devia ser regra para atuação não só do Ministério Público, da Receita,
do Banco Central.

ISTOÉ – O sr. enxerga solução para acabar com os sucessivos escândalos
que envolvem financiamento ilegal de campanhas?
Souza –
A democracia não é estática. E um dos propósitos dela é de que a
evolução se dê mediante o surgimento das dificuldades. Esse episódio revela algo que sempre se falou, mas nunca se procurou adotar uma providência para resolver. É o problema do financiamento das campanhas. Agora nós estamos indo para uma nova campanha sem novas regras. O risco de se repetirem os erros permanece. Espero que pelo menos haja uma preocupação para que não repitam erros de um passado tão próximo.