Quarta-feira. 14h30. O senador Delcídio Amaral (PT-MS), ex-presidente da CPI dos Correios, desembarca em Brasília de um vôo direto vindo de Campo Grande. Terá uma reunião com o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), que foi o relator da comissão, e técnicos que os assessoraram. Tratarão dos desdobramentos das investigações, que ficarão agora a cargo do Ministério Público. No caminho entre o setor de desembarque e seu automóvel, Delcídio vai esbarrando em brasileiros como o empresário paulista Roberto Ducco. “Apesar de o senhor ser petista, eu tenho muita admiração pelo trabalho que o senhor fez para desbaratar essa quadrilha”, diz o empresário, com os olhos marejados. “Eu votei no Lula. Mas não voto nunca mais”, completou. Delcídio, depois de um suspiro, respondeu: “É o sentimento de muita gente.” Mais adiante, foi Wilmar do Prado Vaz, deficiente físico que chegava de Curitiba para disputar um torneio de tênis de mesa. “Eu tinha certeza que o senhor não ia deixar tudo acabar em pizza”, elogiou Wilmar. Mais uns passos, foi a vez de Vânia Monsueth, uma jovem de 23 anos, que carregava no colo uma cadela poodle de nome Good. “Sou sua fã número 1. Acompanhei todo o seu trabalho”, disse ela. “E, além de tudo, você é um gato”, avançou. “Virei celebridade, uma espécie de artista”, disse Delcídio.

No teste de rua, o senador vai muito bem. Seu problema será conseguir administrar o caldo de ódio que se estabeleceu no PT contra ele. Os xingamentos que Delcídio ouviu do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) depois que operou para que nada impedisse a aprovação do relatório final da CPI dos Correios são apenas o lado visível de uma frente que uma parcela do partido move contra ele. Em nível nacional, ele é o principal responsável pela aprovação de um texto que envolve diretamente o PT com a gênese e a alimentação do mensalão. Ou seja, na cabeça de parte considerável do PT, foi Delcídio quem deu à oposição a chave do discurso que fará para tentar demolir o partido. Na semana passada, o senador procurou o presidente do partido, deputado Ricardo Berzoini (SP), para buscar desfazer a má impressão. Explicou que estava amparado em pareceres dos técnicos em regimento do Senado para evitar que os petistas tentassem mutilar com destaques o relatório final da CPI. Ficou de mandar por escrito para Berzoini todas as explicações técnicas das atitudes que tomou.

O senador enfrenta também turbulências em Mato Grosso do Sul. Antes mesmo de se tornar celebridade, Delcídio buscava descolar-se do caminho que o levou à política e ao PT, quando se tornou secretário de Infra-Estrutura do governador Zeca do PT. No ano passado, por exemplo, Delcídio lançou Saulo Monteiro como presidente regional do partido, contra o próprio governador. Perdeu o processo
de eleição direta montado pelo PT. Mas tomou de Zeca 43% do diretório regional do partido. Cada passo que Delcídio deu para se diferenciar do governador, Zeca do PT, deu também para se afastar dele. Hoje, é exatamente Zeca quem mais cria dificuldades no Estado para que se viabilize a candidatura de Delcídio. No final do ano passado, por conta dessas desavenças, por pouco o senador não
trocou o PT pelo PSDB. Permaneceu temendo que fosse ainda mais massacrado por, em pleno exercício da presidência da CPI que fustigava o governo, bandear-se para a oposição.

Na tática que vem montando para buscar superar os obstáculos que enfrenta no PT e vencer as eleições, Delcídio enxerga uma única saída: ser menos petista e mais Delcídio. Nisso, ele tem em quem se espelhar. Em certa medida, é assim que age também Lula na sua tentativa de reeleição. É no presidente também que Delcídio busca se amparar para evitar um possível boicote do PT. Durante todo o seu trabalho à frente da CPI, o senador manteve conversas com o presidente. Elas aconteciam pelo menos a cada três semanas. Inicialmente, quando a comissão foi instalada, Delcídio, que ocupava então a liderança do PT no Senado, não queria aceitar a tarefa de presidi-la. Convenceu-se após falar com o presidente. “Seja justo. Seja isento. Se tiver de cortar na carne, corte”, recomendou-lhe Lula. Enquanto as linhas de investigação não o atingiam diretamente, nenhum sinal de preocupação transparecia do presidente. Rapidamente, o então presidente da CPI percebeu que havia uma diferença profunda entre a estratégia de Lula e a de seu partido para os desdobramentos das apurações. Delcídio resolveu ficar com Lula. No PT, porém, isso poderá lhe custar um alto preço.


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