DANILO VERPA/FOLHA IMAGEM

KASSAB Preferido de Serra, o prefeito democrata tentou, com Alckmin, um almoço de paz que não resistiu à sobremesa

ALCKMIN O ex-governador colocou o governador José Serra na difícil missão de boicotar um candidato do próprio partido

Depois de 14 anos morando sob o mesmo |teto da política, a aliança entre os tucanos do PSDB e os democratas, do antigo PFL, chegou ao fim. “Não sei mais de que lado estão aqueles com quem estamos dormindo. Às vezes, dormimos com um aliado e acordamos com um inimigo”, desabafou no início da semana passada o deputado Rodrigo Maia (RJ), presidente do DEM. Em pelo menos quatro capitais, o aliado da noite anterior será o inimigo do dia seguinte. Em outros cinco Estados, tucanos apoiarão um candidato e os democratas terão outro, em diferentes coligações. E o pior de tudo é que essas disputas acontecem nas principais capitais do País.

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O trem da aliança estratégica estabelecida desde 1994 na primeira eleição presidencial de Fernando Henrique Cardoso descarrilhou puxado pela locomotiva paulista. Em São Paulo, a reeleição do prefeito democrata Gilberto Kassab era parte de um compromisso firmado pelo tucano José Serra, que acabou por ruir, pois o ex-governador Geraldo Alckmin não abre mão de disputar a prefeitura. “O Alckmin vai ser candidato e o Kassab também vai ser candidato”, jogava a toalha na quarta-feira 12 o governador Serra, depois de passar os últimos meses se empenhando na tentativa de evitar uma candidatura do próprio partido. Na terça-feira 11, Kassab almoçou com Alckmin, em busca de um acordo que fracassou antes mesmo de ser servida a sobremesa. Líder nas pesquisas de opinião, Alckmin não aceita a proposta de desistir da candidatura municipal em troca da promessa de ter a legenda para disputar o governo do Estado em 2010, hipótese que estava no cardápio de Serra.

Ele sabe que ainda conta com o recall da disputa presidencial de 2006 (ganhou na cidade de São Paulo) e avalia que ficar mais dois anos sem ocupar cargo eletivo pode ser fatal para suas pretensões políticas. Kassab, por sua vez, entende que, como prefeito, tem que tentar a reeleição, sob pena de virar um político tampão. Como o almoço da paz não acabou com a guerra, agora Alckmin e Kassab disputam a vereadora Soninha Francine (PPSSP) para vice. Soninha é a vice do coração de José Serra. O maior problema tanto para Alckmin como para Kassab poderá estar justamente na conjugação de suas candidaturas. Um estudo feito pelo consultor político do DEM, Saulo Queiroz, demonstra que, desde que foi criado o instituto da reeleição, nenhum governante com mais de 45% de ótimo e bom nas pesquisas de avaliação deixou de se reeleger. Kassab tem uma avaliação positiva menor que isso, em torno de 40%. Se o índice não garante sua reeleição, indica, pelo menos, que ele tem potencial de crescimento durante a disputa, uma vez que hoje as suas intenções de voto oscilam entre 10% e 15%. Esse crescimento, se ocorrer, acontecerá provavelmente em cima de votos de Alckmin – os dois disputam o mesmo eleitorado. Uma equação, portanto, que poderá acabar por beneficiar a ministra do Turismo, Marta Suplicy, do PT, que já anunciou oficialmente que disputará a prefeitura paulistana.

A partir da crise paulista, as possibilidades de aliança em outras capitais também começaram a desabar. DEM e PSDB talvez só estejam juntos em Curitiba, na reeleição do prefeito tucano Beto Richa. No Rio, o DEM já tinha um compromisso de aliança com o PMDB. Maia até imaginava que os tucanos teriam seu próprio candidato. Mas não entende por que optaram pela candidatura do verde Fernando Gabeira. “Não pelo Gabeira, porque ele disputa voto numa faixa que é nossa e poderá trazer um toque de qualidade à campanha. Mas, quando o PSDB opta por não ter candidato e também por não fazer aliança conosco, ele reforça no nosso pessoal a impressão de que temos mesmo que construir sozinhos o nosso caminho”, lamenta o presidente do DEM. “Não é de hoje que as nossas estratégias têm sido completamente diferentes”, diz o ex-líder do DEM na Câmara Onyx Lorenzoni (RS). “Não tem mais sentido continuarmos caminhando juntos”, completa. Lorenzoni, que já havia retirado o apoio que dava ao governo da tucana Yeda Crusius no Rio Grande do Sul, protagonizará um dos rachas mais visíveis da aliança: é candidato a prefeito de Porto Alegre, enquanto o PSDB apoiará o peemedebista José Fogaça.

Acontecerão algumas disputas puro-sangue, em que o PSDB estará de um lado com seu próprio candidato e o DEM do outro, também com seu nome. Até a semana passada, os democratas imaginavam que isso não aconteceria em Belém. A deputada Valéria Pires Franco negociava a manutenção da aliança e apostava nela. O PSDB confirmou, porém, que sairá com seu próprio nome: o exgovernador do Pará Simão Jatene. Em Salvador, a disputa é tida como inevitável. O deputado ACM Neto irá à luta na tentativa de reconstruir o império político de seu avô, Antônio Carlos Magalhães. Ali, enfrentará um ex-aliado de ACM, que brigou com o velho cacique e seguiu seu próprio rumo, o ex-prefeito Antônio Imbassahy, do PSDB.

Na verdade, o atrelamento do DEM à locomotiva do PSDB só fazia sentido quando eles tinham um destino comum: a volta ao Palácio do Planalto. Agora, contudo, o PSDB tem dois candidatos, José Serra e o governador mineiro Aécio Neves, e cada um deles caminha em trilho próprio. Ou seja, a disputa interna dos tucanos pela sucessão de Lula implodiu a aliança com os democratas, cujo maior beneficário era Serra. O jogo pretendido pelo governador era apoiar a reeleição de Kassab para que essa fosse a contrapartida principal de um apoio do DEM à sua candidatura à Presidência em 2010. Como tal tática ficou explícita, detoná-la passou a ser importante para Aécio. “É evidente que Aécio não dá a devida importância à manutenção da aliança conosco”, constata Maia. É em Minas que se torna explícita a sensação de que a parcela do PSDB não-paulista, mais ligada ao governador Aécio Neves, prega caminhos diferentes para os tucanos no futuro. Na quarta-feira 12, Aécio esteve em Brasília para uma conversa com o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias. Veio abraçar o conterrâneo Patrus exatamente no dia em que o Ministério que cuida do programa Bolsa Família completou quatro anos. “Política se faz de gestos”, disse Aécio à ISTOÉ, numa frase que bem poderia ter saído da boca de seu avô, Tancredo Neves. Patrus é o maior entrave à tentativa de Aécio se aliar com o prefeito petista de Belo Horizonte, Fernando Pimentel. Os dois querem se unir para apoiar o candidato do PSB, Márcio Lacerda. “Espero que Belo Horizonte seja o embrião de uma nova convergência política para o País”, disse o governador mineiro. Belo Horizonte é a cunha que Aécio pretende fincar para tentar começar a pavimentar um caminho que lhe permita chegar em 2010 como um candidato à Presidência de conciliação, no PSDB, mas sem ser hostilizado por Lula.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), tenta minimizar as diferenças com o DEM. Insiste em afirmar que a falta de sintonia nas eleições municipais decorre de problemas localizados. “Nós ainda somos aliados. Temos nossas divergências, sim, até porque somos partidos diferentes. Mas estamos juntos. A eleição municipal tem lógica própria. Creio que saberemos separar isso de forma a não levar essas dificuldades deste ano para a eleição de 2010”, diz Guerra. “Entendo que as eleições municipais têm contextos locais que nem sempre permitem que se acompanhe a linha nacional”, rebate Maia. “Mas, quando o PSDB nacionaliza as peculiaridades locais e parece transformar esse afastamento numa regra, a coisa se complica”, analisa. Diante desse quadro, o presidente do DEM cogita até um salto impensável tempos atrás: apoiar em 2010 o socialista Ciro Gomes. “É preciso que fique claro que não temos apenas duas alternativas: candidatura própria ou aliança com os tucanos”.


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