Guido Mantega exala felicidade no principal gabinete do quinto andar do Ministério da Fazenda. Desabotoa o paletó, mexe no controle remoto do ar-condicionado, ironiza os adversários, ajeita o quadro de Manabu Mabe, olha a cada cinco minutos para uma tela eletrônica onde se movem constantemente os índices da Bovespa, do dólar e do risco Brasil. Guido Mantega sorri o tempo inteiro. “Já me sinto muito à vontade no Ministério”, confidencia. “Até decorei o nome das minhas quatro secretárias e três motoristas.” Alçado há 40 dias ao comando da economia, ele acha que chegou a hora de impor seu próprio estilo. “Chegou a hora de falar menos de juros e começar a falar de desenvolvimento”, foi logo avisando, na tarde da quinta-feira 4, em entrevista exclusiva a ISTOÉ. Mas como falar em crescimento se a última ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central fala em manter parcimônia para conter a inflação? “O presidente do Banco Central não pode pensar de forma diferente do presidente da República”, ataca, referindo-se a Henrique Meirelles. A ordem do dia é consolidar o crescimento. A questão é saber o que Mantega vai fazer de concreto para garantir tal índice. Na manhã da sexta-feira 5, ele deixou seu gabinete refrigerado em Brasília e desembarcou em São Paulo para manter uma reunião com os representantes dos maiores bancos privados brasileiros. Na pauta, forçá-los a baixar imediatamente o crédito ao consumidor. “Chegou a hora de os bancos privados darem sua contribuição à economia”, disse. Enfim, Guido Mantega começa a mostrar a que veio:

ISTOÉ – Quais mudanças o sr. pretende implementar na política
econômica de Antônio Palocci?
Guido Mantega –
A grande diferença entre o Mantega e o Palocci é o peso
e o cabelo. O Palocci tem mais peso do que eu. E muito mais cabelo.

ISTOÉ – O Palocci manteve por mais de três anos uma política defensiva, enquanto o sr. passou todo esse tempo cobrando mais ousadia.
Mantega –
Na verdade, se há uma mudança em curso, é decorrência da fase
que se encontra o País. Na primeira fase, a do Palocci, se deu uma maior
atenção à recuperação dos fundamentos econômicos. Mas agora já há
condições de priorizar a pauta do desenvolvimento.

ISTOÉ – Como se faz isso?
Mantega –
A parte da política monetária teve até agora um certo conservadorismo, que é um viés natural do Banco Central. Eu entro numa fase em que vamos colher os frutos daquilo que foi plantado. Hoje, nós temos uma situação fiscal que nunca tivemos, com a inflação abaixo da meta. Se foi feito um esforço, já foi feito, acabou. Se foi excessivo, eu não sei lhe dizer. Só sei que agora estamos na fase da colheita. A minha vantagem é essa. O desenvolvimento já se torna uma realidade, se transformou na nossa pauta central. Estamos na fase de colocar em segundo plano a pauta da política monetária, que vai perdendo importância à medida que os juros vão caindo. O ideal é que nem falássemos mais em juros no País.

ISTOÉ – Mas continuamos com os juros mais altos do mundo.
Mantega –
Tudo bem, então digo que chegou a hora de falar menos de juros. Mas enquanto os juros estiverem caindo, como agora, está todo mundo satisfeito. Deixa os juros irem caindo. Quanto mais eles vão caindo, mais eles deixam de ser assunto da ordem do dia. Nos outros países você não fica falando de inflação a toda hora, você só fala daquilo que vira problema.

ISTOÉ – O sr. e o presidente do BC, Henrique Meirelles, estão em
caminhos opostos?
Mantega –
A maioria interpretou a ata do Copom como conservadora. Eu diria que é uma ata cautelosa, que vai examinar os vários indicadores da economia. Se for isso mesmo, tudo bem. Pode examinar, desde que continue baixando os juros. O BC tem a obrigação de examinar como anda a inflação com toda cautela. Mas eu posso garantir que este ano nós estamos com os preços administrados numa situação muito favorável. É o primeiro ano em que esses preços ficam abaixo da média da inflação medida pelo IPCA. Portanto, estamos com um cenário muito favorável.

ISTOÉ – O sr. está avisando ao BC que não é hora de ter parcimônia
no crescimento?
Mantega –
Não, não é hora. Acho que no início do governo podíamos ter parcimônia, mas agora a meta é atingir um crescimento entre 4% e 4,5% em 2006 e chegar a 5% em 2007. É daí para mais.

ISTOÉ – O sr. está querendo subordinar Meirelles à Fazenda?
Mantega –O presidente do Banco Central não pode pensar diferente do presidente da República, e eu estou expressando o pensamento do presidente da República. O presidente Lula já disse: nós agora temos que olhar para o crescimento. A ordem do dia é consolidar o crescimento. As políticas todas do governo têm que ser orientadas nessa direção. E eu, como o ministro da Fazenda, tenho que orientar as ações do governo e viabilizar esse crescimento.

ISTO É – Quais medidas serão tomadas para viabilizar esse crescimento?
Mantega –
Vamos primeiro pelas forças que estão impulsionando o crescimento, em especial o setor externo. O governo terá que tomar medidas efetivas na área de infra-estrutura para facilitar o transporte e o embarque de mercadorias. Ferrovias, portos, rodovias, tudo isso tem de ser melhorado. Também está sendo criada uma zona de exportação. Vai funcionar assim: se o empresário instala uma fábrica que vai exportar 80% da produção, ele fica isento de praticamente todos os tributos. Essas zonas serão em qualquer lugar, podem ser implantadas onde quiserem. É quase uma zona franca.

ISTOÉ – O sr. vai olhar para o consumidor?
Mantega –
Há muito que o governo está olhando. Tanto que uma das forças que estão impulsionando o atual crescimento é essa quase revolução no crédito ao consumidor. É muito mais do que o crédito consignado. Estão oferecendo carro
em 72 prestações.

ISTOÉ – Mas são linhas de crédito especiais. A taxa real de juros ao
consumidor e o cheque especial permanecem impraticáveis.
Mantega –
É verdade, o Brasil é campeão não só de taxa básica do Banco Central, a Selic, mas também temos um outro pódio, temos os maiores spreads do mundo. É a taxa de risco que os bancos cobram pelos empréstimos, 16%, 17% em média. Eu acho que poderíamos reduzir. É claro que os banqueiros têm várias demandas, várias explicações para esses spreads. Mas eles poderiam ser mais agressivos na redução, existe espaço para isso. Os bancos captam dinheiro pela Selic e depois emprestam para seus clientes. Ora, a Selic já baixou 3%, 4% em termos reais nos últimos meses e continuam caindo. Eles poderiam estar repassando isso para o consumidor. E se algum banco privado repassou, fez menos do que deveria.

ISTOÉ – Vem aí alguma medida para enquadrar os bancos?
Mantega –
Eu quero discutir com eles. Estou indo conversar com a Febraban para tentar convencê-los a baixar os spreads. Nós aumentamos muito a segurança do crédito, como a nova Lei de Falências e as mudanças na legislação habitacional. Chegou a hora de os bancos darem a contrapartida.

ISTOÉ – O sr. planeja flexibilizar a meta de inflação para 2007, de forma
a facilitar o crescimento?
Mantega –
A meta permanecerá em 4,5%. É uma meta que permite o crescimento econômico. Não tem sentido subi-la. Nem pretendo baixá-la. Não vamos fazer nenhuma loucura de querer perseguir uma inflação suíça.

ISTOÉ – E os gastos públicos? Eles estão explodindo.
Mantega –
Não está explodindo nada. O que tem de diferente é que este é um ano eleitoral, quando você gasta mais no primeiro semestre e menos no segundo. Mas os gastos estão sob controle, tanto que o superávit até abril foi de 4,38%. É um bom nível de gastos, é sinal de que a máquina está funcionando, os investimentos estão sendo feitos, o Bolsa Família está sendo posto em prática.

ISTOÉ – O que o sr. acha da proposta da equipe de Palocci de aumentar o superávit primário
para fazer o ajuste de longo prazo?
Mantega –
Esse superávit atual, de 4,25% do
PIB, ajuda a viabilizar o crescimento gradual nos moldes que estamos pensando, de 4,5% em
2006, 4,75% em 2007, 5% em 2008 e de 5,25%
em 2009. O desenho adequado é esse. Eu acho que 4,25% é suficiente. Nem mais, nem menos. Tinha gente que achava melhor aumentar o superávit ao infinito. Tem até um certo candidato à Presidência falando nisso. Eu sou contra, porque prejudicaria as outras atividades.

ISTOÉ – Qual candidato?
Mantega –
O Geraldo Alckmin. Ele andou falando em aumentar o superávit primário. Parece que depois mudou um pouco o discurso. Se o Alckmin aumentar o superávit, eu só quero saber de onde ele vai tirar o dinheiro para as demais necessidades. Será que ele vai acabar com o Bolsa Família? Ou não vai mais aumentar o salário mínimo? Ou vai deixar de fazer investimentos, desistir da rodovia 163? O exagero fiscal que a ortodoxia econômica gostaria de praticar pode levar a uma redução do nível de atividades e ao agravamento dos problemas sociais.