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AO PÉ DO OUVIDO
Dilma assinou com o presidente cubano, Raúl Castro,
acordo de cooperação para a ampliação do Porto de Mariel

A concessão pelo governo brasileiro do visto de entrada à blogueira Yoani Sánchez, impedida de sair de seu país desde 2004, parecia representar mais do que um gesto de mera boa vontade. Alimentou expectativas de que, em sua primeira ida a Cuba, a presidenta Dilma Rousseff marcaria uma inflexão no posicionamento do Brasil sobre as graves violações de direitos humanos da ditadura cubana. A viagem era tida como a oportunidade histórica de Dilma mostrar, como já o havia feito ao criticar a repressão no Irã de Mahmoud Ahmadinejad, que sua política externa era diferente do antecessor quando se trata da defesa dos direitos humanos. Era justificável até que a presidenta abordasse o assunto em reuniões privadas e silenciasse em público. Não necessariamente precisaria discursar a favor dos cubanos perseguidos. Mas, ao desembarcar em Havana, na terça-feira 31, Dilma logo capitulou à idolatria ao castrismo, tão cara aos setores de esquerda do PT e de seu ministério. Menos de dez dias depois da morte de Wilman Villar, após 50 dias em jejum na prisão, acusado de desacato e atentado a autoridades durante participação em uma manifestação pacífica, a presidenta relativizou os crimes cometidos na ilha, tentou equiparar os regimes cubano e norte-americano e lançou mão do discurso do “atire a primeira pedra” ao responder a questões sobre direitos humanos. “Vamos começar a falar de direitos humanos nos Estados Unidos, a respeito de uma base aqui, chamada Guantánamo. Não é possível fazer da política de direitos humanos uma arma de combate político-ideológico. O mundo precisa se convencer de que é algo que todos os países têm de se responsabilizar, inclusive o nosso. Quem atira a primeira pedra, tem telhado de vidro. Nós no Brasil temos os nossos”, disse Dilma aos jornalistas, pouco antes de almoçar com o presidente Raúl Castro e de visitar o ex-líder cubano Fidel Castro.

As declarações transformaram em desalento as expectativas dos dissidentes daquele país. O governo, por intermédio do ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, já havia sinalizado que a presidenta não comentaria o assunto em declarações públicas, respeitando a tradição de não interferência em assuntos internos de outros países. Ainda assim, os opositores esperavam, na prática, algum tipo de retratação depois que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparou, durante visita ao país em 2010, a situação dos prisioneiros políticos com a de detentos comuns, dos presídios brasileiros. De acordo com a Anistia Internacional, há pelo menos 200 cubanos detidos por manifestações políticas ou por causa da raça, religião ou orientação sexual. “O tema de direitos humanos é universal, mas deve ser abordado sem exclusões. A presidenta Dilma preferiu olhar para outro lado, no lugar de observar a triste situação do povo cubano. Queremos apenas ter os mesmos direitos que os brasileiros têm”, disse Elizardo Sánchez, da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional. O ex-preso político José Daniel Ferrer, líder do grupo dissidente União Patriótica de Cuba, também expressou suas preocupações: “Há outros interesses, outras questões envolvidas e acho que isso (a questão dos direitos humanos) ficará para trás, assim como fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando morreu (Orlando) Zapata”, disse Ferrer.

A generosidade de Dilma com a ilha de Raúl e Fidel Castro prosseguiu com a pauta eminentemente econômica da viagem. Por intermédio do BNDES, o Brasil levou a Cuba uma linha de crédito de US$ 683 milhões para a ampliação do Porto de Mariel, a 50 km da capital cubana, que conta com aporte total de R$ 1,18 bilhão. Ou seja, o Brasil bancará 70% do empreendimento.

Tocada pela construtora brasileira Odebrecht, a obra é considerada estratégica pelas autoridades cubanas, que veem em Mariel uma base para aumentar o intercâmbio comercial de Cuba. O total de financiamentos brasileiros alcança agora US$ 1,3 bilhão, que inclui US$ 683 milhões, via BNDES para o porto, US$ 350 milhões em linha de crédito para importação de alimentos e US$ 200 milhões para importação de máquinas agrícolas.

Após reunião de trabalho e almoço de uma hora e 15 minutos com o ditador Raúl Castro, Dilma visitou as obras de Mariel. Ela e o dirigente cubano discutiram o projeto de instalar fábricas de remédios brasileiras, com tecnologia cubana, na zona do porto. Neste caso específico, Dilma acertou em cheio. O país tem muito a lucrar ao ampliar sua presença econômica na ilha, como já fizeram a Espanha e o Canadá. A parceria também dará mais vigor ao processo de abertura econômica a que Cuba vem assistindo desde 2010. A primeira viagem de Dilma a Cuba, porém, deixará a marca indelével da frustração àqueles que a imaginaram como o divisor de águas da política externa brasileira no que diz respeito à defesa dos direitos humanos.

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