O mais ambicioso retrato da riqueza vegetal do Brasil é o livro Flora brasiliensis. Feitos a bico de pena, nele há 3.811 desenhos de plantas, flores, frutos e sementes – quase tudo o que se conseguiu catalogar à época do Império e foi reunido em 140 fascículos que totalizam dez mil páginas. O que a obra tem em importância descritiva, tem em dificuldade para consulta. Ainda hoje, um botânico que vá a campo no Brasil terá de comparar as suas observações com os relatos contidos em Flora brasiliensis. O problema é que suas edições são pouquíssimas, estão dispersas pelo mundo e ficam trancadas a sete chaves em bibliotecas. No Brasil há uma única edição disponível em fac-símile e seu estado de conservação é bastante ruim. Agora, 160 anos depois da publicação de seu primeiro fascículo, o livro torna-se acessível pela internet no endereço https://florabrasiliensis.cria.org.br. A sua versão eletrônica (pode ser acessada gratuitamente) foi lançada em Curitiba na 8ª Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica.

Abra-se o livro e nele estão descritas 22.767 espécies vegetais, entre elas o pau-brasil, as palmeiras, as bromélias e as orquídeas. Somente para uma única família, a das begônias (Bignoniaceae), há quatro mil nomes para 800 espécies. A versão eletrônica do livro permite o estudo detalhado de cada elemento das planta, desde os espinhos do caule até as ranhuras das raízes e das folhas. Flora brasiliensis é resultado do trabalho do botânico e médico alemão Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), que desembarcou no Brasil na comitiva da imperatriz Leopoldina, mulher de dom Pedro I. Ele passou três anos viajando pelo País. A sua expedição partiu do Rio de Janeiro em 1817 e reuniu 65 cientistas, naturalistas e artistas europeus que percorreram dez mil quilômetros para recolher 20 mil amostras dos principais tipos de vegetação brasileira: cerrado, caatinga, Amazônica e Mata Atlântica. Trata-se do mais antigo, e ao mesmo tempo atual, inventário de botânica do Brasil e da América do Sul.

Considerado um dos países com maior abundância e variedade de espécies de plantas e flores do planeta, o território brasileiro é um tesouro a céu aberto quando o assunto é biodiversidade. “A estimativa é que no Brasil existam pelo menos 50 mil espécies de plantas, mas há quem fale em até 70 mil”, diz o botânico George Shepherd, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A versão eletrônica de Flora brasiliensis é o embrião de outro projeto ambicioso, que prevê a ampliação do acervo de imagens da flora nacional e a criação de um catálogo atualizado com os nomes das espécies. Por enquanto, só é possível procurar as plantas no livro usando o seu nome científico. “Precisamos conhecer melhor a nossa natureza. Essa é até a melhor forma de nos protegermos da biopirataria”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), uma das patrocinadoras da versão online da Flora Brasiliensis.